Mais uma vez ele chega sorrateiro, abrindo
caminho pelos meses passados, apresentando-se todo formoso em promessas e riso
fácil. O sedutor nos reapresenta as esperanças adormecidas e enrosca a língua
quente nos nossos ouvidos ávidos de suas boas novas, de seus murmúrios de amor
sem fim, de paixão grande como o mar. Traz seu frescor com a ilusão dos dias
que se renovam com o tempo inventado. Transfigura as tristezas e os medos em notícias
de um futuro que se promete melhor. Na boca derrama os melhores vinhos. Cheira
bem, esse ano noviço, e antes mesmo de chegar já está aqui, povoando nossa
cabeça bêbada de álcool e de desejos. Lá estaremos nós, mais uma vez, atravessando
a última noite dividindo a cama entre esses dois amantes. Um nos beijará a face
em despedida enquanto o outro nos provará a boca pela primeira vez. Que o beijo
seja quente, e também doce, é tudo que queremos. Que nos faça esquecer as
promessas não cumpridas, as mentiras deslavadas do ano velhaco que se foi. Que o
abraço que chega seja bom e forte, a ponto de nos fazer esquecer que o ano que
se passa não foi de todo ruim e malvado. Às vezes foi ano bonzinho, trouxe
amigos, amores e domingos. Mas é amor passado, guardado, de modo desleixado ou com
cuidado, na nossa vida vivida. Esperamos sempre sermos mais, e melhores, com o
novo amor que chega, aquele que se apresenta de todo novo. Que esse amante nos
apresente suas novas promessas e traga as suas mentiras doces para nossa
esperança de novo menina. Seremos presas fáceis da sua lábia hábil. Ano que não
será todo de alegria, pois também parte da vida, mas ano esperançoso de mais serenos
dias, ano sem recato, sem medo, por favor, e com a necessária fantasia. Até que
um dia nos estenda a mão, pela última vez, em despedida. Mas isso é depois,
depois de outra folha rasgada e até que outro poema se faça necessário para
romper mais um último dia. Até lá, fiquemos juntos, ouvindo a lição dos anos
passados para construir em mais um ano uma vida que se chame de feliz em
retrospectiva.