segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

De Serpentários e Ofiúcos

Enquanto pintavam-lhe os cabelos para uma “coloração até duas vezes mais Intensa nesse verão”, como prometia a marca de tintura, Aledjane estava preocupadíssima. Nada de grave em casa. Tudo bem com o filho, o marido acabara de sair da prisão e este mês ela pagaria a penúltima prestação da TV de 40 polegadas comprada em 36 vezes na Insinuante. Sua preocupação era de outra natureza. “Vão mudar meu signo! De-tes-teiiii!!”. O publicitário paulistano Evandro Sampaio, 37 anos, confere em um site de uma famosa astróloga high-tech como os astros ditarão sua vida nos trinta (30!!) dias seguintes e racionaliza como isso alterará seus investimentos na bolsa de valores. Eu, libriano que me dizem, penso como uma crendice da Idade das Trevas pode vicejar no século XXI e provocar semelhantes reações em tão dessemelhantes públicos.


Kabila Mulengela nasceu no Quênia em 23 de março (Mesmo dia do publicitário Evandro Sampaio!!). Portanto é de Áries. A previsão de seu horóscopo neste dia que escrevo (31 de janeiro de 2011): Últimos dias da lunação atual, que propõe conscientização dos seus verdadeiros propósitos. Momento interessante para dar adeus a velhos padrões, abrindo-se a novas possibilidades. Encare os seus receios, limitações e inadequações. Supere-os. Maturidade é fundamental. (???)
 

O florescer da Astrologia deu-se em uma época anterior ao nascimento da Ciência como método investigativo e preditivo (limitado, também ele, mas o melhor instrumento que temos até então para a previsão do futuro, considero eu). Mas mesmo no Renascimento, antes de Copérnico, Kepler e Galileu jogarem uma pá de cal na cosmologia Aristotélica, a astrologia ainda era ensinada nas primeiras universidades europeias.  Consta que Newton estudava os astros também com interesses esotéricos. O decreto de Luís XIV, em 1682, que condenou a difusão dos almanaques astrológicos, bem como o desenvolvimento científico (a astronomia passava a dominar a cena), iniciaram a derrocada na credibilidade da previsão pelos astros. O que, como vemos nos sinceros depoimentos de Aledjane e Evandro, e lemos todos os dias nos jornais, não foi suficiente para eliminar o eterno desejo humano de que algo maior conduz as nossas vidas, sejam deuses ou astros. 
Se você se aquietou, relaxe. Segundo uma estudiosa das ciências esotéricas (Que diabos vem a ser isso!!??), o astrônomo Parke Kunkle está “fazendo sensacionalismo com uma realidade milenar”. Este professor de um College de Minneapolis (EUA) ganhou seus 15.000 minutos de fama ao afirmar que “por causa da atração gravitacional que a Lua exerce sobre a Terra, o alinhamento das estrelas foi empurrado por cerca de um mês. Então surgiu um novo signo que seria o de Serpentário - ou Ophiuccus” (Que diabos pretendia com isso!!??) . Aqui abro um parêntese para tangenciar duas outras discussões que não me cabem neste texto e que pretendo explorar com mais cuidado em outros: 1) Como qualquer sorte de crendice (pseudociência??!!) tenta incorporar o termo Ciência na sua definição para tornar os seus clientes, crédulos (“Sim, claro, isso foi provado cientificamente...”). A ciência assumiu na nossa sociedade um poder mítico e de detentora da verdade factual nunca atingido antes por nenhum outro modus operandis sistematizador do conhecimento. 2) Como qualquer acadêmico, mesmo sem relevância científica entre seus pares, turbinado pela sofrível qualidade na divulgação científica da imprensa (visto que o grande público, e mesmo outros acadêmicos, as vezes não sabe diferenciar a ervilha do tomate), pode causar tamanho e desnecessário alvoroço. Fechando o parêntese, para mim não muda nada porque não se muda agora o que não existia antes. Considero (isso mesmo!) a astrologia um ridículo acreditar no ilógico, no imponderável, no fato de que a posição dos astros no momento de seu nascimento (ou quando você era apenas um espermatozoide lutando com milhões pelo óvulo mais próximo) determina seu dia ou sua vida. Alguém pode dizer de lá (E como dizem!!): “Tenha a cabeça mais aberta!”, com aquela carinha de dó de como sou “tão cartesiano” (Que diabos acham que dizem com isso!!??). Respondo que tem gente que tem a cabeça tão aberta que o cérebro cai. “Qual é seu ascendente?”, insistem. Desisto... Pior que acabo de checar Libra para o dia: Desafio de superar velhos padrões. Que diabos isso quer dizer, afinal??!!


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Revolução do Jasmim (?)


“...temos necessidade da história para a vida e para a ação, não para nos
afastarmos preguiçosamente da vida e da ação.” (Nietzsche)


Lá vou eu, especialista em rochas, solos e plantas, atrever-me a opinar sobre acontecimentos outros. Mas o que fazer quando novamente Morus nos bate à porta com renovação de utopias? Completando o cenário, que nomes entusiasmantes escolhem para nos gerar a esperança: Revolução de Outubro, Primavera de Praga, Revolução de Veludo... O mais recente movimento de intento de mudanças político-sociais chamaram-lhe Revolução de Jasmim. Chega-nos do Grande Magrebe, região que abrange Tunísia, Argélia, Marrocos, Líbia e Mauritânia. Aprendi agora que Al-Maghrib é palavra árabe que significa “lugar do pôr-do-sol”. O termo foi cunhado porque os sauditas creem os países desta região o centro da fé islâmica. O movimento capitaneado pelos jovens (sempre eles, claro) tunisianos depôs o ex-líder Ben Ali após 23 anos de ditadura. Apregoou-se pela mídia, portanto, uma Revolução do Jasmim, que se espalharia por países árabes muçulmanos que não confiram direitos aos seus oprimidos povos. Aqui me sinto mais a vontade para lhes dizer que Jasmim é o nome vulgar pelo qual chamamos as mais de 500 espécies do gênero Jasminum, pertencente à família Oleaceae que, por sua vez, pertence à ordem Lamiales. O jasmim, daí o nome escolhido para a dita Revolução, também vem do nome árabe para a flor desta planta (Yasamin). Aliás, jasmim é flor bem típica de cemitérios do Nordeste do Brasil (na infância seu aroma muito me marcava essa localização).  
Este pequeno texto me vem apenas para indagar o meu sentido da Utopia. Penso que os utópicos por excelência (tento me incluir entre eles), desde a Comuna de Paris e a Revolução de 1917, nunca se desfizeram completamente da crença marxista de que o progresso humano inevitavelmente nos conduziria a uma sociedade, ainda que não sem classes, pelo menos mais justa e igualitária. Esse sonho alimentou (e vem alimentando) gerações sucessivas. Evidentemente, como era de se esperar, estamos todos um tanto cansados da frustração resultante dos sucessivos adiamentos desta vitória final, sentida a partir do esfacelamento da própria União Soviética, toda arranhada que estava pelo chamado Socialismo Real. A Revolução em Cuba, que nos primeiros anos da Revolução nos parecia à própria Ilha de Utopia, converteu-se neste sistema anacrônico que resiste aos trancos ante o bloqueio sem sentido da potência do Norte. Em ambos os casos, vê-se a amarga realidade de um socialismo, que se afastou tanto do sonho, que passou a quase superar em repressão os sistemas que se rogava jogar para o escuro da História.
Escuto e leio os jornais e revistas. Até o momento, não há nada, me parece, de Revolução. Fico pensativo quanto aos desdobramentos de mais esse movimento. Penso, sobretudo, como as revoluções podem se espalhar (ou se desmembrar) no nascedouro mais rapidamente neste mundo da informação imediata, midiática, em tempo real, variante inexistente nos movimentos revolucionários francês, soviético, tcheco, cubano... Vou acompanhar com curiosa atenção as ações e passos seguintes dos atores envolvidos (inclusive da própria imprensa) nesta onda emergente (marola ou tsunami?) desse país árabe iluminado pelo sol da África. Faço isso em memória da Utopia e na busca de seu sentido, esta insistente esperança que às vezes nasce morrendo e, morrendo, nos nasce em nova esperança, sempre renitente, ainda por materializar-se. E lá vem o Egito, descendo a ladeira...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Expresso do DesOriente

Vi agora esta matéria na TV que ensina bons modos em voos (Como? Alguém imaginava que os animaizinhos – com perdão aos irracionais - com os quais nos deparamos em terra fossem diferentes na “Altitude de Cruzeiro”??!). Abundam também crônicas várias sobre como as classes C e D passaram às aeronaves em lugar dos ônibus, explicitando como as outras classes de maior nível no alfabeto ficam indignadas e torcem o nariz com esse “povinho que nunca foi a Paris” ocupando os aeroportos. Seu João, pedreiro gabaritadíssimo, comenta, enquanto assenta o piso de minha cozinha, que já foi duas vezes de avião a São Paulo... E, vejam só, pensa mesmo em ir a Buenos Aires um dia, visto que na Voa-Todo-Mundo-Linhas-Aéreas foi informado que poderia parcelar o bilhete em até 36 meses. “Oxe! e então?! foi assim que comprei meu golzinho...”. O Instituto Data Popular assevera que esse povinho já representa 57,1% do número de universitários e, possivelmente, vão até se meter a usar paletó e estetoscópio. Já pensou? Dia desses estarão escolhendo o melhor bouquet de vinhos franceses em nossos restaurantes a la carte (haja nariz pra torcer logo, logo... mas isso é outro assunto). O fato é que lembrei que anos atrás (idos de 1994; lá se vão 17 anos...), iniciando minha pós-graduação em Minas Gerais, a classe C (onde perfeitamente eu me enquadrava) sabia bem o seu lugar e cruzava os rincões do país apenas de busão Itapemirim. Avião era realmente coisa de gente fina e abastada. Imagine 36 horas de Campina Grande para Belo Horizonte, depois 5 horas para Viçosa, via expresso-Dante-Alighieri (estilo “deixai para trás toda a esperança” de algum conforto). Aqueles que sempre viajavam nas aeronaves VASP, Transbrasil ou VARIG daquela época nem sabiam (duvido que saibam hoje) que pitoresco, digamos assim, eram (são) essas aventuras sobre rodas.  Hoje, muitos anos passados, posso recordar com algum humor das estripulias vividas e vistas nessas minhas várias viagens no itinerário citado. Havia a vantagem de que não se falava muito em excesso de bagagem. Na primeira viagem, como iria de mudança para os próximos anos, empacotei todo o possível (parte foi pelos correios como “encomenda”. Varilog nem pensar, claro...). Achei espaço até para a minha cuscuzeira (vai que em Minas não se achasse...?!). Inicialmente constrangido com as duas malas grandes para empurrar bagageiro adentro e uma mochila nas costas carregando os itens de sobrevivência para a penosa jornada, percebi que, de fato, o que eu levava era praticamente uma pochetezinha comparada aos meus companheiros e companheiras de viagem. E tome mala, caixa, saco, bicicleta, balde, gaiola... Uma Feira de Caruaru completinha. Ainda hoje não sei como toda aquela sorte de apetrechos era engolida pelo nosso meio de transporte (algum compartimento secreto, imagino). Ao acomodar-me na poltrona (sempre a dúvida do que era pior: janela, onde minha cabeça iria batendo quando, por desígnio do Senhor, conseguisse cochilar por uns minutos, ou corredor, com as roçadas das bundas no ombro ou o passageiro ao lado pedindo passagem para ir mijar). Por falar em mijar, ou coisa pior, havia algo que era um diferencial para os clientes: o ônibus, além de ar-condicionado, tinha banheiro. Que beleza... Claro que para economizar uns trocados da mísera taxa de banheiro nas paradas, alguns sujeitos e sujeitas (assim que o ônibus partia) faziam suas desnecessidades no diferencial. Que beleza, de novo... O cheiro nauseabundo tomava do primeiro ao último assento. Apenas o motorista (sujeito de sorte) escapava da odorização do ambiente devido ao compartimento fechado que o separava dos Senhores Passageiros. Como lembrou uma amiga companheira desses infortúnios, havia sempre alguém delicado a avisar aos berros: “Eita!! Puta que pariu, cagaram de novo!!”. Ao estridente chamado, vozes outras entoavam em coro soberbas palavras sobre o ocorrido e de como aquele era um absurdo. “A pessoa tem que ter respeito, assim não dá...”. Inútil dizer que os protestos eram inúteis. E, não se sabe como (claro que aqui consideramos o medo do pobre infeliz ser esquartejado caso descobrissem seu crime intestinal), nunca presenciei o criminoso em pleno ato. Era como como se o cheiro de cocô-recém-fabricado surgisse do nada, como por geração espontânea. Por falar em cocô (desculpe-me o palavrão), eu, que sempre (juro, viu?) usava o banheiro das paradas para me desfazer dos metabólitos a serem excretados, ouvi umas das mais meigas perguntas a mim já direcionadas. Em algum lugar do interior da Bahia (pense num Estado longo pra atravessar...), na porta do Sanitário Masculino, deparo-me com um senhor segurando pedaços de papel higiênico (tão bonitinhos de tão dobradinhos...) que me lança a intrigante questão enquanto apresenta-me o pedaço de papel: “É barro?”. Que doçura as possibilidades da Língua Portuguesa, não? Que delicadeza para designarmos o número 2, o indizível, o crime escondido... Sim, era barro insustentável o que me levava a usar o Toilet daquele estabelecimento. O papelzinho dobrado já o trazia comigo, mas dei a gorjeta pela gentileza da erudição linguística incorporada. Numa dessas viagens, aconselhei muito uma senhora de bebê no braço que seu filhinho não precisa comer tanto naqueles dois dias nos quais estaria paradinho, balançando na buraqueira da estrada. Adiantou?? O calor, o cheiro nauseabundo já descrito, os solavancos, a barriguinha cheia de pastel, biscoito, coxinha, pipoca e suquinho fermentado poderia produzir outro efeito? A coxinha e os demais itens da comilança foram parar na coxinha direita deste que vos escreve. Ainda fiquei uns 30 minutos com restos da melecada na perna (a mãe – tão gentil... - retirou o excesso com o paninho sujinho que ia à boca do infelizinho) até avisar ao motorista que parasse o mais urgente em algum ponto para a minha devida higienização. Pitoresco ou não? Se continuasse a contar as aventuras rodoviárias degustadas transformaria esta crônica em conto (minha preguiça não permitiria tanto...). Hoje estou por aqui sempre voando tanto que quase enjoo (que chique hein?!)... Ônibus interestadual, desde que meu dinheirinho de professor permitiu, nunca mais me transportou. Ficam as estórias, as lembranças e o entendimento às avessas dessas dondocas reclamando do povinho pensando que é gente, carregando seu preconceito e ignorância nas bolsinhas Louis Vuitton. Sei não, sei não... mas naquela ou nessa época, adoro a inclusão e suas alegrias e desventuras. Ops!! Dá licença, tenho que ir. Dona Josefa me pediu para ajudar com o baldinho que vai levar no voo para a filha que mora no Rio Maravilha...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eros e Psiquê


Na manhã quente, preguiçando na poltrona entre seus livros e os sons da rua, ouviu o chamado ondulante da voz dela cruzar a sala. Tinha o clamor da urgência já deveras conhecido. Ele, disperso nas linhas que falavam sobre coisas outras do mundo, saiu refeito e inteiro a acudi-la. Por tantas vezes juntos e sempre parecia novo aquelas vozes se buscarem. Atravessou o corredor lentamente, como quem degusta a cada passo o prazer ainda por vir e que se esquiva fogosamente atrás da porta.  Ela, como era seu costume (embora culpasse o calor infernal da cidade por isto), sempre o esperava em roupas poucas e desejos enormes. O corpo esguio se alongava ainda mais para explicitar os contornos que ele sempre admirara com devoção messiânica. Para ele - sempre se apercebia disso nesses momentos - o corpo dela não precisava curvar-se a nenhuma convenção estética. A suposta perfeição dos gregos antigos ou das passarelas modernas não se fazia necessária no corpo da mulher amada. Ela, por sua vez, estremecia dentro dos braços que a envolviam forte e delicadamente. Os cheiros dos corpos, aquela exalação única da excitação que só a pele dos amantes supõe, ocupavam as narinas e o quarto. Os corpos caídos. Ela sobre ele. A cama parecendo tão pequena para a explosão de braços, pernas e bocas. Tudo antecipava o embate convulsivo dos animais se procurando: os sussurros ao ouvido, as palavras obscenas, as mãos vagueantes. Os sexos unidos. O coito. O assombro inebriante do encontro. O gozo. Os dois exaustos, consumidos na guerra consumada. O silêncio ocupando o quarto, a paz ocupando os corpos. Os seus livros e os sons da rua são nada...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Na Rede

A tarde longuíssima. A vida en passant. O mundo esmigalhado na mão. Tá quente, largo. Que se dane. Não cabe em minha mão, que vague solto. Quero é o friozinho do Sol ardendo-me na palma. Agarro-lhe forte a luz oblíqua. A preguiça se esparrama toda... Vontade vadia de Sol e Ócio.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Bravata de Ano Novo

Eu me desejo um estupendo 2011. Não me convencerão que o tempo é uma abstração humana. Acatarei sem discussão que Primeiro de Janeiro realmente existe; farei dele mais que resolução, nitidez. Se possível em tela planíssima, LCD de 46 polegadas e Blue–Ray acoplado. Aceito o Relógio e seus persistentes segundos, um a um. Ele marcará de fato o que chamamos “passar das horas”. O Tempo, “esse senhor tão bonito”, ser-me-á amigo e companheiro. Embriagar-nos-emos juntos, abraçados, dois pinguços loucos e serenos rindo do nada. Atravessarei a última noite desse ano moribundo como quem passa de uma dimensão à outra. Einstein que me jogue os dados. Relativizar é tudo. É isso: quero relativizar mais... Mas muito mais. Desejo a meus amigos e amigas que façam o mesmo. Façamos com que 2010 se envergonhe das molecagens cometidas e das alegrias que ficou devendo, ano mal pagador. Como será Ano Velho, caquético cadáver, façamos a gentileza de deixar que nos lembre que também nos beijou os lábios com suspiros de plenitude, agradável memória que se faz passado no presente. Vá lá... Perdoemos suas falhas, ano fugidio, chato, molhado, enxuto, passado. Chamemos 2011 para conversa de pé-de-ouvido. Que nos sussurre suas promessas e vantagens, ano jovem, sedutor, cheiroso. Que acreditemos que é Ano dito Novo, farto, ano-criança. Traz-nos a insensatez da esperança. Acaricia-nos, beija-nos, lambe-nos as feridas laceradas pelo teu decaído antecessor. Dá-nos o Tempo da Delicadeza, entidade lúcida, ampla, que sem o sabermos conceituar, sentimos seu passar nos pélos que crescem na cara, nas orelhas, nas partes pudicas. Sim, Ano Nascido, dá-nos a lucidez da esperança.

Happy New Year

I wish to wander the silence of the dead year. A place where I’d put harsh words and feelings to rest. In such a place the Memory, this present-of-the-past, would hurt only the necessary to bring me the enlightenment. Memory also would kiss me on the lips with the happy, intense sensations I’ve experienced. Hope the New Year gives me a meaningful sense to Present and leads me safely to the place I will name Future. Wish 2011 beats the old year and makes it embarrassed about scarcely smiling.

Ternura

Fiquei aturdido com tantas pernas e vestidos. Eram vermelhos, beges, azuis e amarelos e misturavam-se com os letreiros luminosos das lojas. Vi o som da pressa, da busca pela vaga inexistente no estacionamento, da promoção do dia. Os celulares tocando. Os cartões de crédito. Ficou combinado que as pessoas esqueceriam a fome, as doenças e a guerra. Não esqueceriam os presentes. Considerando que, milagrosamente, não ouvi uma única vez Simone cantar “Então é Natal...” e postumamente assassinar meu Beatle preferido, escapei quase incólume dessa experiência semelhante à disputa nas cavernas pelo melhor naco de carne de mamute. Meus sobrinhos de dois e sete anos teriam seus presentes. Os seus beijinhos e abraços ao lado dos embrulhos e da árvore reutilizada do ano anterior, ninar-me-iam a alma. Nesse momento que escrevo, esparramando essas pequenas memórias sobre a minha mesa de trabalho, tão plena de tudo que conheço tão bem, penso que esse sentimento a que chamam Natal valeu-me a pena, afinal.

O Caso do Chá

Algumas vezes conto a amigos um evento curioso comigo ocorrido em Beijing, China. Chamei-o de “O Caso do Chá”. O ano era 2007. Julho. Em um passeio pela cidade, onde estava para um encontro científico, sou abordado na rua por um jovem casal aparentando seus 20 e alguns anos. Amarelinhos, amarelinhos... A bela mocinha dispara suavemente: Do you speak English? Yes, I do. Explica-me então que eram estudantes universitários que procuravam praticar seu inglês com estrangeiros. Adverti-os que se tratava de um brasileiro e que melhor fariam encontrar um native speaker. Tudo bem, não se importavam. Achavam, para meu ingênuo deleite, que meu inglês era muito bom. Bastava. Não demora e me convidam a apreciar um chá enquanto nossos sotaques chinês e nordestino se fundiam em uma conversa sobre filmes, vinhos e culturas brasileira e chinesa. Jovens assaz cultos para a idade. Claro que aceito, afinal eu estava em um país com mais de quatro mil anos de história em infusões. A Casa de Chá escolhida ficava no segundo andar de um prédio moderno e tinha salas privativas para duas a quatro pessoas. Aí nos instalamos. Em minutos adentra outra mocinha, também bela e amarelinha, que parecia saída de uma das gravuras antigas postadas nas paredes do recinto. De inglês, a única palavra dita foi Hello. A primeira mocinha passou-lhe às vezes de tradutora. O rapazinho permaneceu calado todo o tempo. Enquanto os sons da água fervente e do mandarim (ou qualquer que seja o dialeto que falavam naquele momento – calcula-se que o país tem 600...) ocupavam a sala pequena (uns 2x3 m), escutei atentamente sobre as origens do chá, seus vários métodos de preparação e equipamentos. A delicadeza e a atmosfera dessa cerimônia são envolventes. O aroma e sabor de algumas infusões eram excelentes e deliciei-me em goles abundantes e lentamente sorvidos. Outros chás pareciam-me algo entre o horrível e o repugnante. Alguns que provei, segundo a mocinha de inglês fluente, tinham mais de 200 anos (talvez não tenham sido bem conservados nesse período, pensei maliciosamente...). Entre a vontade de expelir de volta na tchawan (tigelinha para o chá) e de prender a respiração e engolir, fiquei com a segunda opção. Não quis parecer que um dos chás mais apreciados na Dinastia Tang (618-906 a.C.), a época de ouro da bebida, não me apetecia o meu paladar, tão maculado por esses cafezinhos do século XXI. Cansado de tanto chá e de tanta história, indiquei-lhes que se fazia tarde e precisava voltar ao hotel. Yes, of course (sabe que eu já estava quase gostando desse sotaque...!!??).  Parece que de contas entendia o chinesinho, até então mudo, que não tardou a explicar-me que, em seu país, a tradição seria o convidado pagar a conta. Mais rápida que uma Fênix escalando a Grande Muralha, a mocinha anuncia a tão meiga despesa de 600 dólares. A voz quase inaudita e a cifra gritante alertaram meus sentidos (o sexto incluído) que algo além de vapores de chá estava no ar... Disse-lhe que no meu país seria bastante razoável que o anfitrião o fizesse e que certamente haveria um equívoco no valor. Não! Replica. Bebemos chás raros e aquilo era quase uma pechincha, queriam-me fazer crer. Para que nossas “culturas-de-pagar-contas” se encontrassem, propuseram dividirmos. Sei o que são 300 dólares para um trabalhador chinês e logo percebi que se tratava de um golpe. “Não pagarei nada”, retruquei. Se a mocinha não fosse chinesa diria que a bichinha rodou a baiana. Chama o gerente!! Chega um sujeito com uma cara de cúmplice e pergunta o que está ocorrendo. Ela lhe explica em mandarim. Imagino que discorrem que a presa tava resmungando e tinha-se que fazer algo. A mocinha avisa-me que chamarão a polícia. Aviso que chamarei a minha Embaixada. Parece que embaixador brasileiro põe mais medo que aqueles policiais chineses pequeninos... Não sei. O fato é que rapidamente obtive um desconto de 500 dólares na conta (um verdadeiro negócio da China!!). Propus 20 dólares e não se fala mais nisso. A mocinha chora, o gerente esperneia, a servente do chá como por milagre começa a falar inglês, o chinês quase mudo tagarela com o segurança que acabara de chegar e se postara ante a porta do cubículo, cerrando-me a passagem.  Por fim, aceitam os 20 dólares. “OK, mas só pago quando o Bruce Lee aí sair de frente da porta”. Afastam-se. Deixo a cédula na mesinha de chá e, em passos largos, busco a saída da rua. Respiro. Não ar puro, que em Beijing não há. Mas a rua atulhada de chineses (como são muito, não?) parece-me vazia. No dia seguinte, vagando pela Praça da Paz Celestial, um segundo casalzinho me aborda com a mesma proposta... Não, obrigado! Café é mais comum de onde venho...

On Canvas

Havia o pão da noite anterior. As migalhas espalhadas pelo prato. Os anseios, desmedidos, cumpridos.  Requentei o pão e criei esperança das migalhas. O café tava tão quentinho...  “Esperança é foda”, penso.  A sala continuava atulhada de tanto: mesa, cadeiras, papéis, estórias, cansaço, descanso.  Junto tudo em ideias claras usando uma cara de louco quieto e sereno que circula nu pela praia. Tudo em suspenso. Se alguém gritasse lá fora ou o mundo acabava ou Deus o refaria (aqui pra nós, seis dias é muito pouco tempo...). Não estar morto me aquece. 

Outra

Pensei em vício. Privação. Dependência. A ausência do corpo amado. Opulento. Unido. Ungido. A falta dos dentes na carne como da heroína na veia. Ressaca do alucinante. Melancolia dos vazios, da casa, da rua, do mundo todo.   

Ela

Os olhos plenos e amendoados. A tez morena, intensa cor-de-telha. Os lábios rosadinhos de viver. De todos os cheiros que existem e existiram, o seu acentuava a necessidade de uma nova palavra que definisse essa tenuidade entre inebriante e enlevador. Entre todas as travessuras e arvoredos que trepei desatinado em minhas idades-pequenas, Ela permanece o gostinho pecador daquela infância. Apraz-me imaginar que ocupa sonhos outros, adultos, muitos: desejos demais e amores de menos para um só homem... Nunca lhe senti ou sentirei a convulsão rítmica do corpo, mas posso amar de mil modos a sua lembrança em mim.

Classe e Gênero: Política e Preconceito

Ainda hoje, oito anos depois da primeira eleição de um presidente operário, mantem-se um tipo de preconceito que parece alheio e cego a todas as evidências (tal como um "bom preconceito" deve ser...). Como foi duro, e tem sido, engolir Lula... Como incomoda esse Presidente terminar seu mandato como o mais admirado da história do país e com provocativos 82% de aprovação. Lula, nem ninguém, tem vara-de-condão-anti-corrupção-e-solucionadora-de-todos-os-problemas-acumulados-em-500 anos. Alguns vezes cometeu equívocos e se exaltou quando seu posto pediria mais contenção e sobriedade. Homem que é, falha como todos... Mas desmerecer-lhe todas as mudanças internas e externas pelas quais este país passou nos últimos oito anos é birra por demais inusitada e desproporcionada. Contra esse tipo mesquinho de desdenhar do outro, negando-lhe os méritos mesmo que todos os dados os demonstrem, é ranço do que de pior há na espécie humana. É preconceito de classe. Curioso que nesta eleição um novo preconceito se instalou e foi usado de forma vil. O preconceito de gênero. Além das inúmeras e infundadas difamações sofridas pela candidata Dilma (uma tentativa de massacre moral sem precedentes em qualquer campanha política já vista), foi sempre claro como lhe tentaram a desqualificação por ser Mulher. Ela não tem "méritos próprios"; está aí apenas porque é "apadrinhada de Lula"; "sem o chefe ela não funciona"; ou é "lésbica" ou "não tem marido". Em debate, o opositor chegou a perguntar-lhe de onde vinha tamanha "agressividade" que, segundo ele, decorria de um "treinamento" (por um homem, provavelmente...). Por que não se contentava com o papel que "lhe cabia", "papel de mulher", de meiga e submissa? Também curioso e instigante: embora tenha, entre as mulheres, mais intenções de voto que o opositor (48% a 41%), o maior número de votos para Dilma ainda vem dos homens... De acordo com as pesquisas, é provável que uma mulher ocupe a Presidência de um dos mais importantes países do mundo. Além de continuar as mudanças no longo caminho que temos a percorrer para ser a nação que queremos, que extraordinária vitória se avizinha para as mulheres. Ainda que, tal como ocorre hoje com seu futuro antecessor, o preconceito continuará a existir. O Operário e a Mulher, no entanto, seguirão sua história.

Plebiscito Posto? Voto 13.

A esquerda (implico pelo termo um enfoque em criar uma Sociedade mais igualitária) apresenta o melhor resultado de sua história no Brasil: conquistados os governos do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Ceará, Espírito Santo, Sergipe, Acre e, a decidir no segundo turno, Distrito Federal com Agnelo (e de quebra eliminando qualquer coisa que atenda por "Roriz") e Pará, com Ana Júlia. Na Câmara e no Senado o número de parlamentares de esquerda aumentou (o que diz muito sobre as possibilidades do próximo Presidente...). Dilma, apesar da frustração inicial, é a favorita. Segundo turno: Acabo de escutar de Serra que Marina prestou um "grande serviço ao jogo democrático" (sei, sei...).  Mulher admirável e de bela história essa Marina, concordo. Mas nem de longe esta votação reflete um eleitorado "verde"; a onda é outra, incluindo a imagem platônica de Marina criada pela "imprensa", uma "esquerda-light" (por que não Plínio??), anti-Dilma, puxão-de-orelha-no-PT, Erenices e ingenuidade em não aceitar o jogo político não-utópico, real, longo e tortuoso (como se Marina, Dilma ou Lula tivessem uma espécie de vara de condão ética que transforma tudoao redor em rosa). A grande pergunta são os votos de Marina, dizem. Duvido que ela apóie oficialmente alguém, mas tenho certeza que 30 anos de PT, e sua própria história, a aproximam muito mais de Dilma que de Serra. Acredito que a grande maioria de seus eleitores sente o mesmo. Sem essa de que "segundo turno é outra eleição"...é a mesma! A polarização apenas fica mais clara, perde os "tons de verde-Acre"; o plebiscito está, sim, ainda mais claramente, posto! Dilma (Lula) versus Serra (FHC). Compare-se os 8 anos de cada um e fico tranquilamente sereno e cônscio com meu voto. Que uma mulher (que magnífico, não?!) continue a construção do possível.

Obrigado, Zico!

Às vezes perguntam-me para qual time torço, grito, esguelho-me,  brigo com os vizinhos e buzino pelas ruas do Recife... Nenhum! A não ser por fenômeno social, dedico a mesma atenção aos campeonatos nacional e estadual que reverencio a bobs de cabelo (Desculpe-me essa imagem perturbadora, é que me inquietava na infância vós e tias carregando aquelas estranhices cabeça afora).  Em verdade, houve um período da minha adolescência (12-13 anos) que o futebol me encantou.  A seleção de 82 e a mágica que eles produziam foi algo de tão belo que me converti em moleque verde-amarelo, com bandeirinha e choro descontrolado ante os três balaços de Paolo Rossi, que relegaram meu sonho de campeão do mundo a uma eliminação na segunda fase. Não sabia o moleque que aquele seria o fim não apenas daquela Copa, mas de um era de beleza no futebol ainda por ser revivida.  Naqueles anos 80 havia também o Flamengo. Que time!!  Naquela época o mais importante no chamado “manto sagrado” ainda era (imaginem!!!) o escudo do time, hoje escondido entre publicidades as mais diversas. Falava-se “Sócrates” e identificávamos de imediato a Democracia Corintiana; alguma dúvida onde Roberto Dinamite havia jogado a última temporada e disputaria a próxima? E Zico?!! Este era para mim, naqueles anos idos que meu pai guiava a nossa Variant amarela, o que eu chamaria de “ídolo”. Além de craque, ele me parecia uma dessas pessoas corretas em que se pode confiar. Quando abandonou o esporte, fiz coro e chorei emocionado com (perdão, perdão...) Moraes Moreira, lamentado o adeus do Galinho: “E agora como é que eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã?”. Hoje, tantos anos depois daquele inocente menino que era, vejo Zico outra vez dizendo adeus ao Flamengo. Desta vez por não concordar com o que se transformou esse esporte e sua gestão neste país (http://www.ziconarede.com.br/portal/znr/colunas.php?pa=1589).  Fico contente, simplesmente. Esse homem é ainda alguém que admiro. Esse tipo de atleta exemplar dentro e fora das ditas quatro linhas. Ainda há gente assim: que não morre em caráter na minha imagem de infância. Um ídolo.

Vestígios do Dia

Domingo. Alguns hão de concordar. Que dia é esse, hein?! Dizem que suecos e japoneses, repare que povos tão distintos, decidem-se pelo suicídio principalmente nesse dia. Especulam que os primeiros pela abundância de uma social-democracia que, aparentemente, os ausenta do labutar de viver e tornaria sem sentido a vida. Os últimos... Bom, nem carece de explicação. O fato é que, quando não se tem família, gato, cachorro, cara-remelenta-de-quem-acorda-ao-meo-dia-com-boca-a-sabor-cabo-de-guarda-chuva da noite anterior, o domingo é demasiado longo. Longo. Arrasta-se penosa e irritantemente dia-mesmo adentro. Supostamente é o primeiro dia da semana (como se nos pudesse roubar esse desprivilegio da segunda-feira...). Na adolescência parecia-me não apenas o último dia da semana, mas da vida. Fazendo excreções de minha glândula-pensante, muitas vezes pensei que então fazia uma associação entre fim-de-semana e fim-da-vida, mortalidade e outras psicologices mais. Uma amiga expert comentou que “fazia algum sentido”, o que me fez logo parecer que fazia sentido algum.
Para mim, a língua espanhola sabe questioná-lo melhor e fez o dia após o domingo ser Lua (Lunes). Segue daí que os dias de García Lorca expressam a nossa distância para os nossos astros vizinhos (Lunes, Martes, Miércoles, Jueves e Viernes). Nisso as línguas são magníficas; expressam o mundo por nós. A de Castela, neste caso, soube-me melhor o domingo.
Apesar das tergiversações, o domingo ainda está cá do lado. E, como para todo domingo, eu tenho um plano, claro: Café na padaria, literatura, ciência-trabalho, ciência-prazer, literatura, varanda, saudades, varanda, varanda, varanda... Ah! Tênis, calção, camiseta, IPod. Caminho de ruas dorminhocas; o domingo me sorri maliciosamente de soslaio; disfarço que não vejo e sigo. Afinal de contas, escuto ao longe um Pastor a lembrar que “mais fortes são os poderes de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Ih!! Tô lascado, mesmo.
Beira-Rio. Corre, corre!! Vai ver que suor ajuda a expelir sais e domingos. Canto de olho de (e para) moça bonita que passa... Penso que já tenho problemas, ou soluções, demais por hora. Lá estão eles. A família veio. Cachorro incluído. Sorrio, sorriem. Nada lhes tenho contra, muito pelo inverso. Converso. Afago moleque e cachorro. O domingo desconfia, mas se sente tranquilo. Cachorro dos outros não serve.
O IPod, em sua função aleatória (hum... será que o Pastor estava certo, afinal...?!), lança-me Clifford Brown aos ouvidos e neurônios. A paisagem muda. Harmoniosamente aquele trompete vindo do passado reorganiza minhas horas. Casa. Chuveiro. Food delivery. Escrever bobagens de Facebook com “segredos de liquidificador”. Aunque esté lejos, Lunes se acerca... Tranquilo, olho pela janela. Penso mesmo em ir ao cinema. O domingo tá ainda mais desconfiado...

Cuba Revisitada

Segunda-feira (05/07). Segunda viagem à Illha. Como da primeira vez (2001, quando fiquei por 15 dias e fotografei a bela estudante com seu sorriso um tanto tímido), conferências e reuniões estão na agenda. Mas não me furto a imaginar, por supuesto, que novas impressões, nove anos depois, terei desse país que marcou a minha, e outras gerações, com a utopia social e política construída a fuzis por homens que pareciam tão fortes e tão delicados, necessários, para construir aquele sonho, desde então "bloqueado". Uma Cuba sem Fidel (se pudermos dissociar a Ilha do velho Comandante en Jefe...) pode estar mudada desde 2001. Meus olhos também não veem mais o mesmo colorido e o mesmo cinza. E a estudante? Como estará em seus 20 e poucos anos? Que impressões terá ela de seu país e de sua vida?

Pequeno Poema da Tarde

Encontrei teu carinho em camisas dobradas.
Ao desfazê-las, tua presença ocupou o quarto.
Levei-a comigo tarde adentro...
Há algo de ti por onde existo.

Pluton e o princípio da utilidade

Um acontecimento geologicamente natural, um vulcão em atividade na gélida Islândia, e suas conseqüências sobre a vida cotidiana da Europa, ocupou telas e papel de avaliações evidentes, imediatas e “midiáticas”. O que a mim me fascinou e me trouxe à reflexão nesse episódio: a imensa e irreprimível força plutônica (O reinado de Pluton está localizado nas profundezas da Terra; o termo foi utilizado pela Geologia para designar corpos ígneos de grande porte que se formam em profundidade). Pois bem, os arautos do time is money nos falam (apenas) de surpreendentes 300 milhões de dólares diários em prejuízos, evidenciando (ou esquecendo), claro, a desmistificação da natureza (natura naturata – a natureza como produto) promovida pela própria sociedade burguesa. Se tempo e habilidade tivesse, gostaria de escrever algo sobre uma postura mais meditativa de uma Natureza com a qual teremos que dialogar, uma Mãe-Natureza (natura naturans) – não me atirem pedras ainda (alguns) colegas cientistas das geociências: é algo mais que a “Hipótese Gaia”... também sei instrumentalizar a natureza em números e utilidades, mas a chamada “consciência ecológica” atual poderia abrir-se mais a tais raciocínios... Dia desses, quem sabe, desenvolvo um texto assim; por hora, vou deixando um fragmento de “A Natureza” (Goethe) em minha intenção: “Ela não tem língua nem voz, mas gera línguas e corações por meio dos quais sente e fala”

Capitulação do PT?

O PT (diretório nacional) acaba de anular o encontro do partido no Maranhão que decidiu pelo apoio à candidatura de Flávio Dino (PC do B) ao governo do estado. Até mesmo para aqueles, que não somos inocentes em imaginar que o Partido no poder poderia manter a democracia interna, a estrutura partidária não-clássica e a aglutinação de forças sociais que o gerou, engolir que isso foi feito para apoiar ROSEANA SARNEY (e, evidentemente, garantir palanque para Dilma) nos leva a indagação de quais os nossos limites, do que podemos aceitar como parte do jogo político necessário. Talvez ainda seja cedo para falar em capitulação do partido (há, ainda, no PT, ecos das utopias que o constituíram...), mas não exagerem... Apesar de tudo, nesta eleição, e também pelas alternativas que se apresentam (não como indivíduos, mas como forças estruturantes de governo e de Estado), ainda serei Dilma. Ainda acreditarei que poderemos construir o possível. Mas fica o desabafo...

Ausência

Nos amamos com poucas palavras
Nos machucamos com tantas...
Espanta-nos como ainda há dor
No que ficou em silêncio.

Vitória da Samotrácia (190 a.C.)

Entre grandes e magníficas obras de arte que tive a oportunidade de defrontar-me (e abismar-me, neste sentido mesmo de abismo, mergulho infinito na beleza), poucas me tocaram tão sensivelmente quanto esta preciosidade helenística em mármore e calcário. Acredita-se que foi erigida (diria eu que lhe deram vida) em comemoração a uma vitória naval de Rhodes.
Está no Louvre, onde mesmo profundamente enamorado por Escravos de Michelângelo, olhares de Monalisa e tintas dos maiores mestres, o vestido molhado dessa desconhecida Helena, tão sensualmente moldado ao corpo pelas águas de um mar revoltoso, evoca-me o sentido maior da arte e da vida.

Sonhos de Ítalo

Não um super-herói desses usuais... É evidente que sua capa fotônica alaranjada e os óculos mecatrônicos afugentariam os mais temíveis foras-da-lei. Sem chance! Ninguém desafiaria seus braceletes-quânticos-de-espantar-mal-feitores.
Todo um ser feito de inocência e ternura, moldado pela pureza de um mundo de fantasia ainda não povoado pela seriedade que sua vida adulta, talvez (apenas talvez), trará. Sim, Ítalo crescerá... que o super-herói dos seus sonhos segure firme sua mão pelos anos a vir.

Maitê e o Mar

Os olhinhos tão inundados de surpresa e temor pela beleza que se apresenta. Parece-lhe que algo único e ininteligível atinge os pequeninos pés; algo com ritmo de balançar dos braços de mãe. Maitê deslumbra-se com o mar... Titio, com igual encantamento (por ela e pelo mar), observa a beleza de ambos mesclando-se em sal e líquido.