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Seco se fica de palavras, uma vez ou outra,
como terra que há muito não vê gota d’água. De onde nasce a palavra? Onde se
esconde a danada? De onde corre, faceira ou às escondidas, para dissipar os
sentimentos, como uma lufada de luz cérebro adentro, empurrando cá pra fora o
que estava guardado lá no escuro do leito? Tantas vezes, ela, palavra, que nem
poderia ser dita, mas se faz em sílabas que mal se apercebem da serventia ou da
maledicência que tem. A palavra às vezes tem cheiro. Cheira como rosa colhida logo
cedinho, ainda molhadinha de orvalho, cheiro de pão novinho, que se abraça todo
gostoso ao café quentinho. A palavra às
vezes fede também. Tem cheiro de carniça. Corpo de animal morto que arranha as
ventas com catinga das mais nojentas. A palavra pode ter temperatura. Atingir o
peito com uma gostosura de deixar sorriso largo na cara, sorriso apaixonado, de
quem recebe no ouvido as mais ternas malícias da boca bem versada em sonetos.
Quem se importa se são verdades ou mentiras (essas duas coisas inventadas) se
trazem calor e aconchego ao seio de quem as acalanta como suas, sem tirar nem
pôr, justinhas na medida do que se quer sentir. Palavra quente dos amantes,
palavras que balança o chamego de todos os dias, de todas as horas, de toda a
vida. Palavra que ressuscita, dia a dia, a vida. A palavra às vezes esfria que
parece pedra de gelo, vento de esquinas, cortando no gelado o infeliz a quem se
destina. Palavra desatenta, que sai sem que a gente queira, e bate no coração
do outro como flecha certeira, machucando o receptor com sua ponta de aço insidiosa, ponta que não
merecera, pois de nós saiu a palavra tosca, que mais diz de nós que do outro,
esse outro, coitado, que apenas estava na linha certeira. As palavras têm
tamanho. Graúdas, enormes. Miúdas, pequenas. E por vezes têm tamanho pra lá de
suas sílabas, essas palavras sem letras.
Palavras que saem pro mundo querendo traduzi-lo em entendimento. Palavras
tantas vezes que não cabem em mundo, em língua, em dialeto ou gênero. Palavras
femininas, como mandioquinha. Palavras masculinas, como arranhão. Palavras
todas, em desassossego. Palavras de enxurrada, matéria de terra arrastada,
lambendo prosas arrancadas do mais fundo do peito. Palavras com gosto de fruta.
Palavra-fruta, suculenta. Suco que escorre pela fenda cerebral e se espatifava
no papel tosco. Palavras que lambuzavam a celulose limpinha do papel, com tons
vermelhos, azuis, verdes. Palavra que escorre colorida, com rima, com jeito.
Palavra então pintada, que serve pra tudo e pra nada, que serve de alento.
Palavras! Poético, provocante e didático texto. Elas, quando atreladas como desnudassem uma a outra, possuem fluidez no tempo. Palavra, o traçado dos seus múltiplos, recompõe um desenho que, retrospectivamente, falam sobre o pensamento através da indicação de sentido, ordem ou desordem, da explosão de ideias, lembranças, saberes e sabores que eclodem.
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