quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Caso do Chá

Algumas vezes conto a amigos um evento curioso comigo ocorrido em Beijing, China. Chamei-o de “O Caso do Chá”. O ano era 2007. Julho. Em um passeio pela cidade, onde estava para um encontro científico, sou abordado na rua por um jovem casal aparentando seus 20 e alguns anos. Amarelinhos, amarelinhos... A bela mocinha dispara suavemente: Do you speak English? Yes, I do. Explica-me então que eram estudantes universitários que procuravam praticar seu inglês com estrangeiros. Adverti-os que se tratava de um brasileiro e que melhor fariam encontrar um native speaker. Tudo bem, não se importavam. Achavam, para meu ingênuo deleite, que meu inglês era muito bom. Bastava. Não demora e me convidam a apreciar um chá enquanto nossos sotaques chinês e nordestino se fundiam em uma conversa sobre filmes, vinhos e culturas brasileira e chinesa. Jovens assaz cultos para a idade. Claro que aceito, afinal eu estava em um país com mais de quatro mil anos de história em infusões. A Casa de Chá escolhida ficava no segundo andar de um prédio moderno e tinha salas privativas para duas a quatro pessoas. Aí nos instalamos. Em minutos adentra outra mocinha, também bela e amarelinha, que parecia saída de uma das gravuras antigas postadas nas paredes do recinto. De inglês, a única palavra dita foi Hello. A primeira mocinha passou-lhe às vezes de tradutora. O rapazinho permaneceu calado todo o tempo. Enquanto os sons da água fervente e do mandarim (ou qualquer que seja o dialeto que falavam naquele momento – calcula-se que o país tem 600...) ocupavam a sala pequena (uns 2x3 m), escutei atentamente sobre as origens do chá, seus vários métodos de preparação e equipamentos. A delicadeza e a atmosfera dessa cerimônia são envolventes. O aroma e sabor de algumas infusões eram excelentes e deliciei-me em goles abundantes e lentamente sorvidos. Outros chás pareciam-me algo entre o horrível e o repugnante. Alguns que provei, segundo a mocinha de inglês fluente, tinham mais de 200 anos (talvez não tenham sido bem conservados nesse período, pensei maliciosamente...). Entre a vontade de expelir de volta na tchawan (tigelinha para o chá) e de prender a respiração e engolir, fiquei com a segunda opção. Não quis parecer que um dos chás mais apreciados na Dinastia Tang (618-906 a.C.), a época de ouro da bebida, não me apetecia o meu paladar, tão maculado por esses cafezinhos do século XXI. Cansado de tanto chá e de tanta história, indiquei-lhes que se fazia tarde e precisava voltar ao hotel. Yes, of course (sabe que eu já estava quase gostando desse sotaque...!!??).  Parece que de contas entendia o chinesinho, até então mudo, que não tardou a explicar-me que, em seu país, a tradição seria o convidado pagar a conta. Mais rápida que uma Fênix escalando a Grande Muralha, a mocinha anuncia a tão meiga despesa de 600 dólares. A voz quase inaudita e a cifra gritante alertaram meus sentidos (o sexto incluído) que algo além de vapores de chá estava no ar... Disse-lhe que no meu país seria bastante razoável que o anfitrião o fizesse e que certamente haveria um equívoco no valor. Não! Replica. Bebemos chás raros e aquilo era quase uma pechincha, queriam-me fazer crer. Para que nossas “culturas-de-pagar-contas” se encontrassem, propuseram dividirmos. Sei o que são 300 dólares para um trabalhador chinês e logo percebi que se tratava de um golpe. “Não pagarei nada”, retruquei. Se a mocinha não fosse chinesa diria que a bichinha rodou a baiana. Chama o gerente!! Chega um sujeito com uma cara de cúmplice e pergunta o que está ocorrendo. Ela lhe explica em mandarim. Imagino que discorrem que a presa tava resmungando e tinha-se que fazer algo. A mocinha avisa-me que chamarão a polícia. Aviso que chamarei a minha Embaixada. Parece que embaixador brasileiro põe mais medo que aqueles policiais chineses pequeninos... Não sei. O fato é que rapidamente obtive um desconto de 500 dólares na conta (um verdadeiro negócio da China!!). Propus 20 dólares e não se fala mais nisso. A mocinha chora, o gerente esperneia, a servente do chá como por milagre começa a falar inglês, o chinês quase mudo tagarela com o segurança que acabara de chegar e se postara ante a porta do cubículo, cerrando-me a passagem.  Por fim, aceitam os 20 dólares. “OK, mas só pago quando o Bruce Lee aí sair de frente da porta”. Afastam-se. Deixo a cédula na mesinha de chá e, em passos largos, busco a saída da rua. Respiro. Não ar puro, que em Beijing não há. Mas a rua atulhada de chineses (como são muito, não?) parece-me vazia. No dia seguinte, vagando pela Praça da Paz Celestial, um segundo casalzinho me aborda com a mesma proposta... Não, obrigado! Café é mais comum de onde venho...

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