sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Expresso do DesOriente

Vi agora esta matéria na TV que ensina bons modos em voos (Como? Alguém imaginava que os animaizinhos – com perdão aos irracionais - com os quais nos deparamos em terra fossem diferentes na “Altitude de Cruzeiro”??!). Abundam também crônicas várias sobre como as classes C e D passaram às aeronaves em lugar dos ônibus, explicitando como as outras classes de maior nível no alfabeto ficam indignadas e torcem o nariz com esse “povinho que nunca foi a Paris” ocupando os aeroportos. Seu João, pedreiro gabaritadíssimo, comenta, enquanto assenta o piso de minha cozinha, que já foi duas vezes de avião a São Paulo... E, vejam só, pensa mesmo em ir a Buenos Aires um dia, visto que na Voa-Todo-Mundo-Linhas-Aéreas foi informado que poderia parcelar o bilhete em até 36 meses. “Oxe! e então?! foi assim que comprei meu golzinho...”. O Instituto Data Popular assevera que esse povinho já representa 57,1% do número de universitários e, possivelmente, vão até se meter a usar paletó e estetoscópio. Já pensou? Dia desses estarão escolhendo o melhor bouquet de vinhos franceses em nossos restaurantes a la carte (haja nariz pra torcer logo, logo... mas isso é outro assunto). O fato é que lembrei que anos atrás (idos de 1994; lá se vão 17 anos...), iniciando minha pós-graduação em Minas Gerais, a classe C (onde perfeitamente eu me enquadrava) sabia bem o seu lugar e cruzava os rincões do país apenas de busão Itapemirim. Avião era realmente coisa de gente fina e abastada. Imagine 36 horas de Campina Grande para Belo Horizonte, depois 5 horas para Viçosa, via expresso-Dante-Alighieri (estilo “deixai para trás toda a esperança” de algum conforto). Aqueles que sempre viajavam nas aeronaves VASP, Transbrasil ou VARIG daquela época nem sabiam (duvido que saibam hoje) que pitoresco, digamos assim, eram (são) essas aventuras sobre rodas.  Hoje, muitos anos passados, posso recordar com algum humor das estripulias vividas e vistas nessas minhas várias viagens no itinerário citado. Havia a vantagem de que não se falava muito em excesso de bagagem. Na primeira viagem, como iria de mudança para os próximos anos, empacotei todo o possível (parte foi pelos correios como “encomenda”. Varilog nem pensar, claro...). Achei espaço até para a minha cuscuzeira (vai que em Minas não se achasse...?!). Inicialmente constrangido com as duas malas grandes para empurrar bagageiro adentro e uma mochila nas costas carregando os itens de sobrevivência para a penosa jornada, percebi que, de fato, o que eu levava era praticamente uma pochetezinha comparada aos meus companheiros e companheiras de viagem. E tome mala, caixa, saco, bicicleta, balde, gaiola... Uma Feira de Caruaru completinha. Ainda hoje não sei como toda aquela sorte de apetrechos era engolida pelo nosso meio de transporte (algum compartimento secreto, imagino). Ao acomodar-me na poltrona (sempre a dúvida do que era pior: janela, onde minha cabeça iria batendo quando, por desígnio do Senhor, conseguisse cochilar por uns minutos, ou corredor, com as roçadas das bundas no ombro ou o passageiro ao lado pedindo passagem para ir mijar). Por falar em mijar, ou coisa pior, havia algo que era um diferencial para os clientes: o ônibus, além de ar-condicionado, tinha banheiro. Que beleza... Claro que para economizar uns trocados da mísera taxa de banheiro nas paradas, alguns sujeitos e sujeitas (assim que o ônibus partia) faziam suas desnecessidades no diferencial. Que beleza, de novo... O cheiro nauseabundo tomava do primeiro ao último assento. Apenas o motorista (sujeito de sorte) escapava da odorização do ambiente devido ao compartimento fechado que o separava dos Senhores Passageiros. Como lembrou uma amiga companheira desses infortúnios, havia sempre alguém delicado a avisar aos berros: “Eita!! Puta que pariu, cagaram de novo!!”. Ao estridente chamado, vozes outras entoavam em coro soberbas palavras sobre o ocorrido e de como aquele era um absurdo. “A pessoa tem que ter respeito, assim não dá...”. Inútil dizer que os protestos eram inúteis. E, não se sabe como (claro que aqui consideramos o medo do pobre infeliz ser esquartejado caso descobrissem seu crime intestinal), nunca presenciei o criminoso em pleno ato. Era como como se o cheiro de cocô-recém-fabricado surgisse do nada, como por geração espontânea. Por falar em cocô (desculpe-me o palavrão), eu, que sempre (juro, viu?) usava o banheiro das paradas para me desfazer dos metabólitos a serem excretados, ouvi umas das mais meigas perguntas a mim já direcionadas. Em algum lugar do interior da Bahia (pense num Estado longo pra atravessar...), na porta do Sanitário Masculino, deparo-me com um senhor segurando pedaços de papel higiênico (tão bonitinhos de tão dobradinhos...) que me lança a intrigante questão enquanto apresenta-me o pedaço de papel: “É barro?”. Que doçura as possibilidades da Língua Portuguesa, não? Que delicadeza para designarmos o número 2, o indizível, o crime escondido... Sim, era barro insustentável o que me levava a usar o Toilet daquele estabelecimento. O papelzinho dobrado já o trazia comigo, mas dei a gorjeta pela gentileza da erudição linguística incorporada. Numa dessas viagens, aconselhei muito uma senhora de bebê no braço que seu filhinho não precisa comer tanto naqueles dois dias nos quais estaria paradinho, balançando na buraqueira da estrada. Adiantou?? O calor, o cheiro nauseabundo já descrito, os solavancos, a barriguinha cheia de pastel, biscoito, coxinha, pipoca e suquinho fermentado poderia produzir outro efeito? A coxinha e os demais itens da comilança foram parar na coxinha direita deste que vos escreve. Ainda fiquei uns 30 minutos com restos da melecada na perna (a mãe – tão gentil... - retirou o excesso com o paninho sujinho que ia à boca do infelizinho) até avisar ao motorista que parasse o mais urgente em algum ponto para a minha devida higienização. Pitoresco ou não? Se continuasse a contar as aventuras rodoviárias degustadas transformaria esta crônica em conto (minha preguiça não permitiria tanto...). Hoje estou por aqui sempre voando tanto que quase enjoo (que chique hein?!)... Ônibus interestadual, desde que meu dinheirinho de professor permitiu, nunca mais me transportou. Ficam as estórias, as lembranças e o entendimento às avessas dessas dondocas reclamando do povinho pensando que é gente, carregando seu preconceito e ignorância nas bolsinhas Louis Vuitton. Sei não, sei não... mas naquela ou nessa época, adoro a inclusão e suas alegrias e desventuras. Ops!! Dá licença, tenho que ir. Dona Josefa me pediu para ajudar com o baldinho que vai levar no voo para a filha que mora no Rio Maravilha...

7 comentários:

  1. Parabéns pela crônica embuída de humor sadio e crítica correta àqueles que não sabem o valor de uma conquista!
    Edivan de Souza

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  2. Parabéns Clístenes pela crônica. Ainda bem que hoje aluno de pós-graduação com um esforçozinho pode evitar ou pelo menos diminuir esse "sofrimento".

    Laerte Amorim.

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  3. Caros Amigos,

    Obrigado pela visita a estas "secreções diversas".
    Grande abraço!

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  4. "Mas naquela ou nessa época, adoro a inclusão e suas alegrias e desventuras".

    Mais uma crônica deliciosa e seu olhar que não deixa nada escapar, mas sempre com afetuosidade, Clístenes!
    Gostei também que tenha notado as desventuras, e não apenas as alegrias dessa experiência comparativa de viajar como classe C e, finalmente, como classe A.
    Acabei de viver essa experiência no caminho para a Argentina. Os passageiros da classe C
    agiram de forma contida, um tanto apreensivos, possivelmente voando pela primeira vez. Já as dondocas me empurraram algumas vezes, "talvez" desequilibradas com o excesso de sacolas de compras que carregavam...

    Abraços!
    Carol Flores

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  5. Obrigado pela visita, Carol!! Imagino quão pitoresco foi o observado pelo seu olhar sensível nesta viagem... sim, sim, alegrias e desventuras.
    Abraço!!

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  6. Muito bom, amigo! Adorei as verdades ditas em tom leve. Vou continuar frequentando o blog, já está nos meus favoritos. Um abraço!

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  7. Oi Viviane!! Obrigado, amiga! Seja muito benvinda!
    Beijopratu!!

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