Rita Hayworth em Gilda (1946). Foto: Wikimedia Commons. |
Nos meus anos adolescentes, cheios de sentimentalismos
exacerbados e saliências contidas, o cinema exercia um fascínio não mais
especial, mas certamente ainda mais ilusoriamente real, do que o que me é entregue
hoje. Tudo alargava a retina e os desejos pela força e fragilidade emanadas da
imagem e do som. O que poderia ser mais real
do que aquela fantasia inventada? As botas sujas dos soldados estalavam o chão
com a mesma graciosidade das sandálias levíssimas das atrizes. Tudo ficava
gravado nas calçadas da imaginação. E as atrizes...? Eu sonhava com Gilda. Rita
Hayworth era e sempre será Gilda, antes de tudo. Eu atirava pérolas da cadeira
e ela virava os cabelos como um girassol, deixando a legião de apaixonados,
como eu, desnorteados pelo seu desprezo às nossas tentativas infantis de conquistá-la.
Nunca na vida Gilda seria nossa. Parecia tão próxima de minha cara sua baforada
de cigarro que eu sentia a respiração da deusa como um rio sem fim, rio arquétipo
de todas as mulheres e devaneios, codificados por aqueles cabelos brilhantes, ondulantes
e limpinhos, que me exalavam perfume francês (ainda que o cheiro mais provável
fosse nicotina, que não cabia no meu coraçãozinho apaixonado...). Eu sofria
tremendamente com a negação de Gilda. Chorava escondido imaginando onde ela
estava, onde vivia, para que homem colocava os anéis finíssimos e, finalmente,
despiria aquela seda que cobria o corpo inimaginável, a assombração que me
soprava a beleza com o qual ela me enganava a cada cena. Eu murmurava, clamava,
mas as minhas palavras eram brutas demais para o amor de Gilda. Ela me negaria,
sempre. Deixaria meu desejo a arder enquanto a via dançar, deitar-se, retirar a
luva, rir com escárnio ou com delicadeza. Meus lábios tremeriam com apelos incansáveis.
Gilda continuaria insensível aos meus olhares, a minha guarda ao seu sono fora
das telas, ao meu ciúme de seus homens, de seus olhos fechados para o beijo.
Tive que esquecê-la (será que consegui?). Seu desprezo não me deixou alternativa,
mas de fato nunca houve uma mulher como
Gilda. Nem haverá.