Está escrito no primeiro capítulo de Eclesiastes: o número de loucos é
infinito. Ora, esse número infinito compreende todos os homens, com exceção de
uns poucos, e duvido que alguma vez se tenha visto esses poucos.
(Erasmo de Rotterdam)
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Acabo de chegar
da corrida-caminhada pela Beira-Rio, Bairro da Torre, aqui em Recife. Não é
habitual que escolha a noite, como a maioria o faz, parece-me, dada a maior
quantidade de pessoas a se exercitar neste horário que no cedinho das manhãs.
Alguns sérios e solitários, compenetrados (como era meu caso hoje), alguns em
duplas (e, mesmo assim, solitários), alguns com cachorros e outros de mãos
dadas. Como em todo lugar, basicamente. O que havia de diferente hoje era um
senhor, negro, baixo, sorridente que circulava para lá e para cá entre os atletas de tempo parcial. Disseram-no doido,
louco, maluco, pirado, desses que jogam pedra em Vênus e rasgam notas de 150 reais. Estava a se divertir enormemente. Lembrei até de uma amiga que
me contou que a mãe a deixava estar, criança ainda, entre os doidos do
manicômio onde trabalhava. Imagino que se divertia, de certo modo, pois até
hoje tem um sorriso desses desvairadamente loucos... Mas essa é outra história.
Fato é que o senhor brincava na pista com todos os que passavam. Aquela velha
brincadeira infantil de estender a mão ao outro e puxá-la antes do aperto
retribuído. A cada um que caía na jocosa armação,
uma gargalhada dessas sonoras, grandiosas, de arrebentar as vias respiratórias.
Alguns encaravam mal e lhe miravam carrancudos, negando-se a participar daquela
ludicidade adoidada (acho que desistiram de ser criança...). Outros se riam e
estendiam-lhe a mão a esperar na sequência o vazio e a gargalhada final,
vitoriosa, magnífica. Pus-me no segundo grupo e, solene e aristocraticamente,
parei para a reverência do sobrar no
vácuo. Estava pertinho e a gargalhada me pareceu ainda mais gostosa. Talvez
porque aquela era a minha gargalhada
exclusiva, a que esperei em fila para ouvir e compartilhar. Depois de umas
duas voltas na pista, não o vi mais. Mas hoje, além de me dar a chance de criançar, aquele simpático senhor me deixou a pensar que maravilhosa e
inebriante alegria é a loucura.