quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um Elogio da Loucura

Está escrito no primeiro capítulo de Eclesiastes: o número de loucos é infinito. Ora, esse número infinito compreende todos os homens, com exceção de uns poucos, e duvido que alguma vez se tenha visto esses poucos. 
 (Erasmo de Rotterdam)

Foto: www.osvigaristas.com.br

Acabo de chegar da corrida-caminhada pela Beira-Rio, Bairro da Torre, aqui em Recife. Não é habitual que escolha a noite, como a maioria o faz, parece-me, dada a maior quantidade de pessoas a se exercitar neste horário que no cedinho das manhãs. Alguns sérios e solitários, compenetrados (como era meu caso hoje), alguns em duplas (e, mesmo assim, solitários), alguns com cachorros e outros de mãos dadas. Como em todo lugar, basicamente. O que havia de diferente hoje era um senhor, negro, baixo, sorridente que circulava para lá e para cá entre os atletas de tempo parcial. Disseram-no doido, louco, maluco, pirado, desses que jogam pedra em Vênus e rasgam notas de 150 reais. Estava a se divertir enormemente. Lembrei até de uma amiga que me contou que a mãe a deixava estar, criança ainda, entre os doidos do manicômio onde trabalhava. Imagino que se divertia, de certo modo, pois até hoje tem um sorriso desses desvairadamente loucos... Mas essa é outra história. Fato é que o senhor brincava na pista com todos os que passavam. Aquela velha brincadeira infantil de estender a mão ao outro e puxá-la antes do aperto retribuído. A cada um que caía na jocosa armação, uma gargalhada dessas sonoras, grandiosas, de arrebentar as vias respiratórias. Alguns encaravam mal e lhe miravam carrancudos, negando-se a participar daquela ludicidade adoidada (acho que desistiram de ser criança...). Outros se riam e estendiam-lhe a mão a esperar na sequência o vazio e a gargalhada final, vitoriosa, magnífica. Pus-me no segundo grupo e, solene e aristocraticamente, parei para a reverência do sobrar no vácuo. Estava pertinho e a gargalhada me pareceu ainda mais gostosa. Talvez porque aquela era a minha gargalhada exclusiva, a que esperei em fila para ouvir e compartilhar. Depois de umas duas voltas na pista, não o vi mais. Mas hoje, além de me dar a chance de criançar, aquele simpático senhor me deixou a pensar que maravilhosa e inebriante alegria é a loucura.



domingo, 18 de setembro de 2011

Penedo

Igreja de Nossa Senhora da Corrente. Foto: Clístenes Nascimento (18/09/2011)

Penedo, a parte de Alagoas que me conta e reinventa histórias.


sábado, 10 de setembro de 2011

Funcionário do Mês (Agosto): Kafka

 
Terminada a leitura de "O Castelo" e fechada a trilogia ("A Metamorfose" e "O Processo"). Obras de uma extraordinária coerência e unidade na crítica do absurdo da burocracia, do abuso de poder e da condição humana.
Imagine-se que o autor, que morreu antes de completar 41 anos, pediu ao melhor amigo e depois editor de suas obras póstumas (Max Brod) que queimasse o manuscrito de "O Castelo", sem publicá-lo. Felizmente, a sua desobediência me (nos) trouxe à obra que acabei de ler. 
A tradução de Modesto Carone para "O Castelo" e outras obras de Kafka merece destaque e capítulo à parte. 


domingo, 4 de setembro de 2011

Melancolia (Lars von Tries)

 Ontem finalmente fui ver Melancolia. O filme tem um visual arrebatador. O  início, com aqueles "quadros" belíssimos emoldurados pela impressionante trilha de Wagner (Tristão e Isolda), é magnífico. Este início é  uma pequena obra de arte e o que mais me marcou no filme (belo, belo e belo). Gosto muito da Charlotte Gainsbourg, boníssima atriz com aquele rosto impressivo e marcante que ela tem. A expressão necessária para a dramaticidade do tema tratado. Kirsten Dunst está muito bem e foi bom vê-la em uma papel além de Homem-Aranha... Como provado pela atuação e pela Palma de Ouro, ela merece papéis melhores. Gosto mais de outros filmes de Lars (Dogville ainda me é o filme mais marcante dele - não vi muitos...), mas saí do cinema com aquela impressão de ter visto algo muito bom.
"A Terra não fará falta"... Belamente melancólico nosso lugar no Universo e a provocação do diretor.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O Ano que não floresceu

Natalie Portman e Ashton Kutcher. No String Attached (2011).
Setembro chegara. No entanto, ao contrário do que a estação do ano prometia, nenhuma flor desabrochara. Ainda não era a data astronomicamente determinada, mas o mês sempre se colocava florido desde os primeiros dias. Não naquele ano. Um ano inteirinho, não apenas a primavera, sem flores. Não se imaginara tal singularidade desde o Cretáceo Inferior (145 milhões de anos atrás), quando as flores principiaram a existir.  Os jardins continuavam apenas verdes, monocolores, estáticos. Nas avenidas, onde se esperavam flamboyants e ipês adornando o caminho de carros e pessoas, as árvores eram meramente folhosas, não refletiam os espectros solares em matizes variados, mas apenas em tons esverdeados. Claro, escuro, variegado, mas tão somente verde. Nenhuma florzinha sequer.  As Espermatófitas (plantas que produzem flores) pareciam inertes, imberbes, e abandonaram seu ofício de reproduzir as espécies. Algumas rosas ameaçaram despertar, mas não foram além da queda precoce dos botões antes do desenrolar das pétalas. Os girassóis, costumeiros em seu amarelo imenso de inflorescência e sépalas ondulantes, não passavam de ramos verdes esguios. Crisântemos, margaridas, gérberas, lírios, astromélias e orquídeas sumiram das floriculturas e das varandas. Jasmins, frésias, hibiscos, narcisos, helicônias e damas da noite não deram as caras naquele ano estranho. O ano seria também sem mangas, peras, maças, pêssegos ou abricós. Nenhuma das 230 mil espécies de Angiospermas, especialistas em converter flores em frutos, seguiu o curso natural da reprodução vegetal. Botânicos, agrônomos, climatologistas, pajés e feiticeiros foram consultados. Das hipóteses mais plausíveis (mudança climática, alterações no fotoperíodo e deficiência hídrica) até as mais místicas e absurdas (revolta da Natureza e greve de insetos polinizadores), nada parecia explicar o setembro, a primavera, o ano sem flores. E isso não acontecia apenas no Hemisfério Sul. Mesmo na Zona Temperada do Norte, onde as estações são bem definidas e a primavera explode logo após o longo e branco inverno, mesmo aí, o florescimento não se fez. O jardineiro desfez-se em carinho, afagou a terra e conversou delicadamente com as plantas. O prefeito decretou que todas as praças recebessem os melhores fertilizantes. O sermão do padre enfatizou a primavera no coração dos homens, tentando evitar que os pecados, grandes e pequenos, acrescessem ainda mais escuridão aquele ano desflorido. Nada, nadinha, funcionou. Muitos se acostumaram com o ano incomum. Mesmo aqueles, pouquíssimos, que desde janeiro sentiam faltam dos bosques floridos e dos perfumes múltiplos, doces, secos, suaves e agrestes das pétalas, deixaram-se esquecer com o seguir dos meses, das ocupações, do trânsito, das dívidas... Enfim, da vida que seguia sem flores. Setembro passou e trouxe Novembro. O verão apareceria com seus dias intensos de sol, mas sem flores. Talvez ano que vem, especulariam na ceia do Natal, as flores retornem. Talvez.