sábado, 23 de julho de 2011

Davi, Dona Eleonora e Eu: A Batalha Final

Foto: Clístenes Nascimento
Cinco metros de altura. A luz natural filtrada pela abóbada construída para aninhá-lo destaca ainda mais a inquietante beleza da mais perfeita estátua do mundo. O olhar sereno, quase doce, mesmo momentos antes de enfrentar o supostamente invencível gigante, em nada sugere soberba ou brutalidade. Davi é um vitorioso elegante, sem afetações. Ideal do Homem renascentista moldado por Michelangelo que, além do rei de Israel, representaria a liberdade e dignidade de todo homem ao enfrentar a tirania e a injustiça. Podem até reclamar que o pinto do herói poderia ser maior (embora sua nudez tenha provocado a ira pudica dos florentinos em sua primeira aparição pública na Piazza della Signoria - onde hoje se encontra uma cópia...), mas a altivez do corpo perfeito trazido à vida pelo artista se impõe ante os desejosos por um pênis mais portentoso. Vá lá que, olhando de lado, achei que ele tinha uma barriguinha... Fui alertado que se tratava, provavelmente, da posição um tanto relaxada do modelo. Acho que pode se tratar, também provavelmente, de minha inveja ante a minha própria, que, não sendo indefectível como a do guerreiro adolescente, tende ao crescimento com a ausência do duro mármore e dos exercícios devidos. Em verdade, o realismo das curvas do corpo nu é magistral. Dizem que o mármore de Carrara utilizado ficou 25 anos abandonado no pátio da Catedral de Florença até Michelangelo aceitar a incumbência, antes declinada por Donatello e Verocchio, de nos fazer crer que há vida dentro da rocha. 

Não resisti e quis registrar a colossal figura em fotos. No photos, advertiu-me uma senhora com gestos afetados e amplos (italiana, va bene...) que me fez recordar a inspetora de minha escola lá em Campina Grande... Talvez isso, juntamente com o exemplo do altivo David, tenha instigado minha adolescência adormecida e incitado uma pequena batalha contra aquela Golias tirânica que vigia museus. Ainda era cedo aquela manhã. Poucos visitantes no museu. Tentei fugir do olhar atento e fiquei atrás da escultura, de onde consegui apenas uma primeira foto de uma bunda desfocada... Não me dei por vencido. Procurei a melhor posição para o próximo ataque. Distanciei-me e usei o zoom para tomar uma foto mais geral. Até que ficou boa, dada à situação de picardia e transgressão, pois demonstra o estupendo efeito que a estátua nos causa, quando primeiro a percebemos, ao fundo do corredor. De longe, para demonstrar que estava sacando o lance, a guardinha lançou-me um olhar de engraçadinho-pensa-que-não-vi... Fiz-me de estátua e continuei a estudar a estratégia mais adequada.

A primeira das fotos roubadas...

Outros turistas começaram a chegar e não tardou a que fôssemos demasiados para sua vigilância leonina. Procurei, envergonhado por me aproveitar de seu momento de atenção desviada, atacar sorrateiramente pelos flancos. Duas pilastras ao lado de Davi seriam meu refúgio para, covardemente, admito, derrotar a minha rival florentina. Foi engraçada a mulherzinha brava tentando me pegar no flagra, escondido entre as pilastras... Conseguiu uma vez e, sem dizer palavra, fez o gesto de saia daí, menino, tô vendo... Em Carrara Esculpida a cara de Dona Eleonora me repreendendo no intervalo entre as aulas... Nas vezes que saí vitorioso sobre aquele pequeno Golias, capturei algumas imagens do herói (Talvez em breve eu receba um pedido de extradição para ser julgado na Itália...). Mas, vejam só: desde a adolescência era apaixonado pelo Davi de Michelangelo e morria de medo de Dona Eleonora me pegar fazendo alguma traquinagem (sala da Diretora na certa!!). Que deliciosa catarse nos encontrarmos todos em um Museu em Florença, 25 anos depois... 


La Petite Française

               O alarme de incêndio soou às 6 da manhã no hotel em Lyon. Sempre acho que é alarme falso, alguém ventilou fumaça de cigarro ou coisa assim. Mas, claro, a atitude correta é correr para as escadas e escapar do perigo o mais rápido. Fiz isso. Ao abrir a porta do quarto com certo retardo, dei de cara com uma senhora desgrenhada e em robe impossível de descrever, alguma coisa rosada com figuras de margaridas. It’s really a fire? Eu também tinha dúvida. Seguimos juntos e rapidamente para a escada. Alguns, mais precavidos do que eu e a senhora com cara de ressaca, já retornavam avisando do alarme falso. Mas o mais gracioso do episódio foi ver uma francesinha, calma e elegantemente, carregando sua mala escada acima. Os braços magrinhos, as pernas fininhas e delicadas no short curtinho vinham lá do térreo (eu estava no 4º Andar...) e subiam para um andar ainda acima do meu. Que rapidinha... Desceu e subiu e eu ainda procurando se havia um incêndio. Essa, queimada, não morre... Que danada a francesinha...

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Farol

Foto: Clístenes Nascimento


Um farol no litoral do Maine (EUA, 2004). Uma solidão de aço na América do Norte e uma tarde fria.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Pouso

Foto: Clístenes Nascimento

Quatro seres estáticos. Um minuto para o pouso e um segundo para o clique... A tarde estava quente.

A Prova Final e o Gato Suicida



O diálogo é real e se passa, com poucas variações, todos os semestres. Neste momento, dois seres mitológicos (aluno não aprovado e professor impiedoso) se debatem para o entendimento de porque não se entendem. Os ideais, o desejo de formar profissionais críticos, tecnicamente competentes, socialmente engajados e éticos, perde-se entre disputas matemáticas onde a tal da nota prevalece, e não mais o mérito, o esforço pessoal ou o aprendizado.

Falta apenas 1 pontinho para passar professor... (faz a carinha triste e diz que seu gato se suicidará e um novo Tsunami atingirá o Japão se não passar na disciplina).

Acho que você não entendeu. Esta é uma prova final e, na verdade, isso não significa apenas um ponto... E veja: dei um bom empurrãozinho aqui e acolá e você já está com 1,5 ponto a mais do que deveria ter... (Faz a carinha de quem não entendeu ou não interessa isso, pois, em verdade quer simplesmente “ganhar” mais 1 ponto, assim, feito mágica).

Mas eu sei o assunto... (Hora da carinha de injustiçada...).

Mas suas notas, antes de chegar a final, variaram de 2 a 3,5... Tem certeza que você realmente se dedicou como deveria? (mesmo admitindo que o único material que estudou foram os slides – que nem sequer levava para a aula mesmo sendo entregues com antecedência - e não os livros recomendados, diz que sim, sim, me dediquei...).

Contará outra estória para os amigos que talvez concordem, por fim, que o professor é um monstro que devora sem piedade futuros engenheiros brilhantes e alunos dedicados... E, pior, se satisfaz com isso!

Talvez alguém estivesse certo quando disse: Alunos e professores são amigos até que a nota os separe. Será que precisa ser assim? A NOTA, esta entidade que se tornou maior do que ser profissional, do que ser agrônomo, do que o próprio Aprender (do qual a nota é mera e tosca avaliadora...) é que dita tudo. A pergunta não é Aprendeu? Viu a beleza que há na fotossíntese ? Encantou-se pela bela profissão que escolheu? Não, a questão é Passou?

Pergunto-me o que aconteceu com muitos dos nossos alunos (e, nesse diálogo de surdos, não me eximo de pensar o mesmo sobre alguns de nossos professores...). O simplesmente passar é o mais importante, mesmo que seja tirando nota 3 até A final... E até O final. Não importa: o Diploma é a entidade divina que, ao que lhes parece, dará todos os direitos (não apenas oficiais, mas no plano intelectual e moral) de exerceram a profissão que escolheram com o respeito e a dignidade que a ela deveriam ser atribuídos.

Por fim, com alguma tristeza e frustação, continuo na profissão de professor. Talvez por que alguns alunos ainda tem o brilho no olho do aprender, do maravilhar-se, do entender a alegria e o prazer do real compreender este mundo. Alguns nos dão mais do que se espera deles, esses são excepcionais (Algo que ninguém precisa ser, aliás...).  Alguns doam o melhor de seu esforço e desejo de aprender, apreender, reconhecendo suas fraquezas e buscando suprimi-las com a ajuda do professor. Os alunos (os de todos os tipos que há...) lhe fazem pensar como você próprio, professor, precisa melhorar para manter o diálogo positivo necessário a essa relação tão bela e tão delicada... Todos eles me fazem ser, e continuar sendo, professor.

sábado, 16 de julho de 2011

A Torre de Pisa

Foto: Clístenes Nascimento (04/07/2011)

A Torre, pendente estrutura em solo mal pensado,
Inclina-se, mas nega-se a queda. 
Fica assim, desse jeitão meio torto, 
Bonita que só ela, a desafiar a descrença dos olhares.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Daniel e o Renascimento


Manhã em casa por conta de vidraceiro, marceneiro, papel de parede, pintor e internet que não funciona. Para completar, Recife chovendo e metade deles com boa justificativa para a ausência ou para o atraso. Basicamente um desses dias que você perde trabalho, paciência e compostura com os demais seres humanos e apela até para Nossa Senhora das Reformas de Apartamento. Imagino que entre a grande quantidade de Nossas Senhoras, a Das Reformas possa existir e me acudirá neste momento de infortúnio. Também faço minha Mea Culpa de viajante e entendo que na ausência do dono o porco demora a engordar... Como em nada se perde tudo e pensando no Barão de Itararé que dizia “de onde menos se espera é que não sai porra nenhuma mesmo”, acabo relaxando e indo papear com o pintor, único no apê nesta manhã de terça. E que figura o sujeito. Como soube que acabo de vir da Itália, de bate-pronto assume-se como um renascentista que adora Michelangelo. Você viu a Capela Sistina? Não, Daniel, essa fica no Vaticano e fui apenas à Florença. Dele vi umas pinturas famosas em um museu  e uma escultura. O Davi, né? Indaga, confesso que para minha surpresa, o meu pintor de paredes renascentista. Repenso a frase do Barão e inverto-lhe o sentido... Acabei até esquecendo um pouco os problemas da reforma e da montanha de trabalho que me aguarda na universidade. Lá eles respeitam mais as pessoas importantes? Tipo Dante Alighieri? Digo que há pela cidade estátuas e quadros que o relembram. Daniel fica satisfeito em sabê-lo, pois A Divina Comédia, ele me garante, é uma das grandes obras da humanidade. E veja que interessante, filosofa ele, os grandes escritores são latinos: Dante, Camões e Cervantes. Lembro-lhe que Shakespeare, por exemplo, é da Inglaterra... Ele medita, é verdade... era outro grande, diz com ar professoral e de admiração. Fala, com uma gargalhada dessas deliciosas, sobre um amigo evangélico que já leu a Bíblia quatro vezes: É doido, né não? Diz que nem discute mais com ele, pois se acha um materialista e a Bíblia é mais uma questão de fé que de lógica. Que figura, esse Daniel. Enrola um pouco no trabalho (embora o faça com esmero) e acabou me convencendo a pagar-lhe um pouco mais que o inicialmente acordado. Chega-me o técnico da net. Deixo meu pintor  a retocar o rodapé e vou discutir os problemas de conexão que, por fim, acabam não resolvidos e carecem de nova visita. O dia não está dos melhores. Melhor voltar a prosa com Daniel, pois, como ele mesmo diz, o dia não está nada renascentista...