terça-feira, 29 de novembro de 2011

The Bucket List

One more little thing for the Bucket List (things to do before you die): A Balloon Flight... A few days to go!

sábado, 26 de novembro de 2011

Um Corpo que Cai


Riding with Death, Jean-Michel Basquiat, 1988
Nunca imaginei que cairia daquela varanda. Agora estou aqui, tentando lembrar e reviver cada segundo como se com isso conseguisse desfazer o momento infeliz, estúpido, no qual cometi o deslize. Desequilíbrio. Morrer é foda! Ainda mais dessa maneira ridícula que me aconteceu. Sim, adianto-lhes para que não fiquem apreensivos ou pensem que ao final da minha fala me verão voltando para casa, comprando pão e leite, como se eu fosse viver mais um dia, mais uma noite além dessa manhã: estou morto agora, nesse momento que exponho os derradeiros pensamentos que me cruzaram a cabeça. Cabeça, aliás, que está em estado deplorável.  A queda de seis andares a estropiou quase por completo. Eu mesmo se mirasse minha cara arrebentada dificilmente me reconheceria. Enquanto caía senti certo prazer no planar entre os andares. Mas isso não durou mais que milésimos de segundo, pois me lembro do temor odioso quando me apercebi que iria arrebentar no chão como um saco de cimento caindo do céu. O dia estava claríssimo naquela manhã. Antes de adentrar a varanda, elevar-me naquele banquinho, e bater o prego para o quadro que eu não penduraria, vi as pessoas correndo na praça lá embaixo. Fazia tempo que me prometia que seria uma delas, voltaria a caminhar, pararia de fumar, diminuiria a bebida e melhoraria a dieta. Não faria mais nada disso, do mesmo modo que não veria aquele quadro pendurado na parede da varanda que dava vista para a mesa de jantar. As mãos, agarradas naqueles inúteis martelo e prego, não tiveram tempo nem reflexo para se agarrarem em nada que evitasse o desfecho da minha morte. Segundos eternos se passariam até que eu me esparramasse arrebentado na poça de sangue que se formou sob meu corpo franzino. Apesar do corpo pouco, até que fiz um bom barulho... Lembro-me de um som seco, indefinido, de qualquer coisa que caísse de altura elevadíssima. Ainda vivi alguns minutos. Não tenho muita noção de quanto. Podem ter sido uns dois, três minutos... Dez? Quinze? Segundos? Não sei... Na iminência da morte, o tempo assumiu outra dimensão na qual, agonizante, tive pouca ideia de transcurso. Lembro-me do gosto de sangue. Logo após a batida foi a primeira sensação: o sangue inundando a boca. Nem mesmo os ossos que senti quebrar, os dois braços que tentaram ridícula e inocentemente amortizar o tombo, e as costelas, que senti estilhaçando em uma sequência, foram mais percebidos que a profusão do gosto sanguíneo, salgado, viscoso... Vi, ainda que muito turvado, as mães fechando os olhos das crianças para que não vissem o horror que era eu, estatelado ali na calçada. Vi também que alguns não tinham o menor pudor. Olhavam-me e tentavam apreender cada detalhe da minha desgraça. Não lhes interessaria que eu tivesse conseguido afixar o quadro na parede. A minha morte, nessa perspectiva da inutilidade e no olhar curioso ou indiferente dos que viveriam mais que eu, parecia ainda mais esdrúxula. Alguém deve ter chamado uma ambulância. Espero que sim, pensei. Alguma esperança ainda me restaria. Mas não ouvi sirenes. Se vierem, não chegarão antes de minha morte. Isso eu sei.

domingo, 20 de novembro de 2011

A Rede Vespa

Não há nada que um cubano goste tanto como guardar segredos.
 Gabriel Garcia Márquez


O Brasil não é um país para amadores, dizia Tom Jobim. A frase poderia ser muito apropriada também para Cuba, um país que parece perdido (ou parado) no tempo graças a um anacrônico bloqueio e as ainda poucas concessões do próprio governo cubano. Abertura sem perder as conquistas da Revolução em educação, saúde, esporte e cultura será o maior desafio que o país caribenho tem a enfrentar. O cenário parece ainda mais difícil para um país declaradamente comunista frente a um mundo capitalista em crise, a iminente morte de seu Comandante en Jefe (sem um substituto com o mesmo carisma entre seu povo) e a ainda sempre influente oposição da comunidade de cubanos exilados na Flórida, a qual nenhum aspirante a Presidente estadunidense pode iniciar a campanha sem beijar as mãos. Um país e uma situação, enfim, de difícil análise e previsibilidade de desdobramentos, mas a caminho de irrefreáveis mudanças nos próximos anos. A imagem do país, para várias gerações de brasileiros, está intimamente ligada A Ilha, de Fernando Morais.  O livro, que se tornou um verdadeiro ícone da esquerda nos anos 70, teve sua primeira edição em 1976, seguida de 30 reimpressões e uma atualização em 2001. À época do lançamento, a Guerra Fria estava no auge e os passaportes brasileiros estampavam “Não é válido para Cuba”. Naquela atmosfera, o autor conduziu três meses de entrevistas no país e nos deu a primeira ideia mais apurada do que se passava na Ilha. O polêmico livro foi acusado de fazer apologia da Revolução Cubana, tendo sido apreendido pela polícia em dois estados. O autor retorna ao tema Cuba com seu mais recente livro (Os Últimos Soldados da Guerra Fria, Companhia das Letras, 2011, 412 p.) que acabo de ler. O livro conta, de maneira agradavelmente romanceada, a saga de 14 agentes secretos cubanos (doze homens e duas mulheres) que são enviados à Flórida no início dos anos 90 como supostos desertores ou exilados do Regime cubano. As dificuldades materiais (devido aos parcos recursos financeiros disponibilizados por Cuba) e o sofrimento desses agentes, que precisaram abandonar família e amigos, sendo tratados como desertores pelos que não sabiam as suas verdadeiras histórias, são humanamente relatados pelo autor. O objetivo deste grupo (batizado de Rede Vespa) era debelar tentativas de ataques terroristas financiados por cubanos anticastristas contra pontos turísticos de Cuba. Depois da queda da URSS e as dificuldades decorrentes para o país, como a perda de produtividade das lavouras de cana, o turismo passou a ser a principal atividade econômica de Cuba. Deste modo, os ataques pretendiam mostrar que não era seguro fazer turismo na Ilha e, assim, atingir diretamente a economia e o governo de Fidel Castro. “A opinião pública internacional precisa saber que é mais seguro fazer turismo na Bósnia-Herzegovina do que em Cuba”, alardeavam líderes anticastristas na Flórida. O livro detalha ainda aspectos pitorescos da relação entre EUA e Cuba, como a admiração de Bill Clinton por Gabriel Garcia Márquez, o que permitiu o escritor colombiano ser portador de importantes documentos entre os países, e o oportunismo do governo cubano ao liberar doentes psiquiátricos e criminosos para o exílio quando Jimmy Carter resolveu reeditar a chamada Lei do Ajuste (permissão para que qualquer cubano que pisasse solo americano tivesse asilo político e status de residente permanente). O trabalho de pesquisa e entrevistas empreendidas por Fernando Morais torna o livro uma peça jornalística de elevado valor, que se complementa com uma narração com bons recursos literários que tornam a leitura bastante fluente e agradável, lembrando mais um romance policial que uma reportagem. Uma fonte a mais para aqueles que se interessam pela história e os destinos daquele país.  

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O Caldo Estratosférico

Foto: Alessandra Blanco

O caldo de dona Rosa é coisa rara... A primeira vez que o provei cem anjos tocaram trombetas no céu e duzentas virgens perderam a cabeça e a noção. Tem um sabor divino o caldo de aratu de Dona Rosa. Na segunda colherada que dei apareceu um clarão no meio das trevas e um cometa de calda gigante atravessou a estratosfera. Choveu ouro em pó das alturas celestiais. Com uma gotinha de pimenta, então, foi à perdição: parecia a Beija Flor entrando na avenida... Cada sorvida era som de cuíca de escola campeã. Alguém pode achar que é exagero, essa minha descrição. Vá lá a Tamandaré e prove. Tal como o Rock in Rio ou um show dos Stones, farei uma camiseta “Eu Fui”.


O Fluxo simétrico da memória

A Persistência da Memória (Salvador Dali, 1931)

 “Agora, à distância, vejo melhor as coisas passadas”, ela disse. A memória, então, parecia uma região cerebral entrecortada por diferentes acidentes geográficos. Pequenos montes e vastas depressões. Altas montanhas e estreitos vales. A memória era um espaço. Apenas no passado podemos ver o tempo, o nosso tempo vivido, como um espaço. O que foi mais significativo e mais tocou a emoção, ficou consolidado como uma cordilheira nessa região mnemônica. Se algo se perdeu entre as conexões sinápticas, formaram-se vales onde correm rios de esquecimento. Continuo ouvindo-a e não consigo associar fatos, datas e acontecimentos da mesma forma e na mesma sequência. As impressões momentâneas daqueles episódios na vasta planície de sua memória aparecem distorcidas na minha mente. Há apenas um tempo real, no presente, que é o tempo no qual se recorda. É confuso o presente, não tem noção espacial, geográfica, cerebral. Não sabe ainda o que ficará gravado ou será esquecido. A erosão ainda não correu ventos e águas no presente, não moldou as superfícies que, por fim, me permitirão recontar, reinventar, essa história e moldar os contornos difusos das identidades, das intenções, dos gestos. Busco os dados, tento refazer o passado como ela o registrou visível na minha memória só minha, tão pessoal, intransferível... Inútil. Outras são as marcas que sulcaram a terra das minhas recordações e me perco no meu labirinto de lembranças, sem delinear o espaço onde nossas memórias se encontrariam e caminhariam juntas, até o momento presente. Tento reconstruir uma memória do outro, mas acabarei criando uma personagem a qual darei vida e colocarei mentiras na boca. Inventarei fatos e teias, evocarei o passado como um  monstro que trarei à luz com essas minhas verdades inventadas. 

Recordo que era domingo, acho. Poderia ser segunda-feira. O dia que a conheci seria útil de qualquer maneira, pois me lembro do vestido colorido e das alegrias daquele outro tempo. O espaço aqui se delineava como uma linha reta ou sinuosa, dependendo de que maneira eu decidisse conectar os fatos desde aquele primeiro momento, o momento que a vi. Do mesmo modo, seguindo essa linha imaginada no tempo e no espaço, eu poderia fazer o tempo correr para trás. Assim, eu a veria agora se transformando no regredir dos anos em algo que eu desconhecia até então, no que ela não é hoje, aquela outra pessoa que habita o pretérito. A ideia absurda, essa da quântica, de que o tempo pode seguir seu fluxo do passado para o presente ou do presente para o passado, me fazia agora transmutá-la desse objeto tangível, do qual conheço humores e cheiros, no algo que ela era naquele primeiro instante: um sorriso e um vestido florido, apenas. Talvez nessa perspectiva que a Física me concede, eu desejasse mudar ou alterar o nosso passado. Assim eu poderia, quem sabe, dar a cada acontecimento o seu devido valor, nem mais nem menos. Talvez assim eu pudesse ter criado mais montanhas e cordilheiras onde reinariam as recordações que a geografia do meu cérebro se regozijaria em trazer-me a tona. Correriam os rios do esquecimento nos vales sulcados dos eventos tristes que essa minha máquina do tempo quântica poria em sequência ordenada, um fato atrás do outro, na ordem que eu bem entendesse. “É você? Onde está?”. Escrutino o passado, invoco os deuses e os fantasmas da memória. Eles respondem, sempre. Mas tenho dúvida em alterar seus significados e suas danças ao redor do fogo. Tenho apenas as recordações, essa campina imensa onde se espraiem feridas e bálsamos. Reluto em visualizar outra dimensão, que há ou que se imagina possível. Vejo os cacos se espalharem pelo chão, nunca os vi se juntarem e reconstituírem o vaso novo onde deitarei as flores do passado que se reverte. Tento ter lembranças do futuro, abolindo a simetria do fluxo temporal. Continuo ouvindo-a derramar sua memória na minha percepção. A partir dela, do concreto que é ela, posso ver alguém esticando a língua da relatividade e, por fim, sentir o fluxo do tempo e o espaço da minha memória ser povoado pelas verdades inventadas que regariam flores amarelas.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Garotas de Meia Calça (Bukowski)

...circulo com o meu carro
espiando suas pernas
satisfeito por saber que jamais farei
parte nem de seus paraísos nem de
seus infernos. Mas os batons escarlates naquelas tristes bocas
que esperam! Seria delicioso
beijar cada uma delas, uma vez que fosse, por completo,
mas o ônibus as pegará primeiro.