segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A verdadeira rede social (Texto de Carolina Flores)


Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Seis anos após ingressar no Orkut, tendo passado uns seis meses na cultuada rede social de Mark Zuckerberg, o Facebook, pude encontrar uma aplicação perfeita para o grande achado espiritual e filosófico do autor do Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry.
É a rede social criada pelo programador turco Orkut Büyükkökten que de fato incorpora o ideal de construção e manutenção de amizades dentro e fora da Internet, honrando o compromisso e o empenho que um laço fraternal exige. Mas só pude constatar isso depois de experimentar o tamagotchi travestido de rede social que é o Facebook. Não me interpretem mal, por um bom período eu pude “curtir” muito o site americano.
O FB é uma ótima ferramenta de comunicação, e tem ajudado a promover encontros de amigos e familiares que se perderam com o tempo, contatos profissionais, mobilizações políticas internacionais, causas ligadas aos direitos humanos e, por que não dizer, uma vez que esse é um dos propósitos do site: flertes, namoros e casamentos.
Mas o meu objetivo aqui não é analisar a função ou a qualidade do conteúdo das redes sociais mais populares, uma vez que, nesse quesito, o Facebook assumiu a dianteira. Quero apenas relatar a minha experiência reveladora sobre amizades ao deixar a rede social que virou filme.
Primeiro o site me disse que eu poderia voltar a hora que desejasse para reativar minha conta. Que ótimo, pensei naquele momento. Quando passar o meu abuso do Facebook eu volto, e meus amigos estarão todos lá. Porém, há um detalhe gráfico que causa certo desconforto aos contatos do usuário fujão: todos os seus comentários e indicações de que você curtiu algo relacionado a eles também desaparecem. Um pequeno indício do caráter volúvel desse tipo de conexão. Tanto o Facebook quanto o Orkut não estão nem aí para os gestos de apreciação e afeto daqueles que já foram um dia seus fiéis usuários.
A situação se torna delicada quando alguém decide deixar o Orkut, e isso é o que está acontecendo com alguns usuários do Facebook que consideram obsoleta e cafona a rede do anel roxo (eu também já pensei assim). Na hora de desativar a conta, vem a surpresa. Toda a rede de relacionamento estabelecida ao longo de anos será perdida.
Se o usuário quiser retornar ao site, terá que pacientemente adicionar contato por contato, tarefa que exigirá muito tempo de pessoas que chegaram a adicionar centenas de amigos, conhecidos e estranhos atraentes. Entretanto, essa é uma tarefa básica, essencial, para quem deseja fazer amigos: dedicar nosso tempo a cativá-los, se não quisermos que a ligação seja passageira. A grande lição deixada pela rede cada vez mais em queda na preferência dos brasileiros é que ela está mais próxima de um conceito mais civilizado, solidário e empático de amizade do que qualquer outra.
O Orkut nos lembra, talvez de maneira acidental, a responsabilidade que assumimos em relação às pessoas que decidimos incluir em nossas vidas. Se nos afastamos delas (e todo mundo tem direito a momentos de recolhimento), precisamos entender que o retorno ao convívio exigirá mais do que um torpedo, um e-mail ou um telefonema.
Um simples clique no botão de ativar conta do Facebook traz de volta em segundos toda a sua rede de contatos. Mas, na vida real, serão necessários vários torpedos, mensagens eletrônicas e conversas por telefone ou ao vivo para restabelecer o vínculo com aquele familiar, colega, amigo ou amiga que você não procura há meses. Ponto para o Orkut, a rede social que traduz para o mundo da Internet valores que precisam ser preservados no convívio humano.

Carolina Flores é amiga dos amigos, solitária por opção e usuária mais ou menos fiel do Orkut.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Bravíssimo!!!!

Que Roliúdi escolha o que bem desejar para Melhor Filme hoje a noite. Em geral prefiro as escolhas de Cannes... Mas esse filme dos Irmãos Coen é something else O Western (muita gente sempre considera que essa fonte secou...) é fabuloso na escolha de retornar às telas (na primeira versão o papel foi interpretado por John Wayne) um Xerife Rooster Cogburn não romantizado (que logo no início do filme é flagrado de ressaca e fazendo cocô num insólito banheiro), tal como os homens do Velho Oeste provavelmente eram (embora a ternura seja ainda possível nesse ambiente, como se vê no filme); para mim, um personagem mais crível que, sim, cai bêbado do cavalo e erra na disputa de tiro ao alvo e, ainda que anti-arquétipo do mocinho, emociona a todos com sua delicada crueza. A interpretação de Jeff Bridges é, para falar o mínimo, magistral (sinto muito por Collin Firth - O Discurso do Rei - ainda mais sombreado pelo magnífico Geoffrey Rush como ator coadjuvante... By the way, como Rush poder ser "Coadjuvante" em o que quer que seja ???!! Bem, para mim, Jeff é o Melhor Ator... Será bi-campeão? For me, it doesn't matter...). E o que dizer de Hailée Steinfeld? Atuação de gente grande (e olha que tem muita gente grande famosa que não chega aos pés...). Há uma certa tensão emotiva, paternal e, muitas vezes, sexual entre a adolescente órfã e os dois cowboys (o outro, LeBoeuf, é interpretado por Matt Damon também em boa e inusual performance). A cena da cavalgada noturna é, sem dúvida, uma das mais belas já produzidas pelo cinema norte-americano (quizás até mundial...). O prazer de ir ao cinema (o escurinho, a fuga da realidade, o enlevo, a arte...) é plenamente entregue, direta e claramente, como um balaço de uma Winchester 22 na testa do bandido. Bravo!

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Homo brutus e a delicadeza


As minhas amigas leitoras certamente conhecem o tipo. Com um linguajar chulo e maus modos trazidos do berço, acham-se no direito de importuná-las no meio da rua, do bar, da academia, do shopping... Afinal, qual de vocês, ao caminhar solitária ou acompanhada de outro ser feminino por uma rua de edifícios em construção não ouviu do alto de uma laje o inoportuno: “E aí, gostosa, princesa, galega, coisa linda...”, com aquele rugido de Homo neanderthalensis caçando mamute? E para que não pensem que se trata de preconceito contra os trabalhadores da construção civil, deixo claro que este é apenas o exemplo mais comum que as importunadas me relatam. Pois os distintos profissionais liberais e filhos das classes mais abastadas também têm seus representantes entre os mais deselegantes galanteadores. Portanto, espécimes deste tipo podem ser encontrados em escritórios, consultórios, universidades, boates de Boa Viagem ou botequins de Casa Amarela (sem preconceito de classe, cor ou credo religioso).
No momento que escrevo escuto os sons do frevo subindo as ladeiras. Nesta festa pagã alguns seres dessa espécie sofrem uma espécie de mutação que os tornam ainda mais agressivos. São conhecidos como Homo brutus subespécie carnavalensis. Comandado por um cérebro que, apesar de equivalente em tamanho ao do Homo sapiens, não possui um Sistema Límbico, o carnavalensis desconhece a existência de dignidade e limites físicos e costuma engalfinhar, violenta e desrespeitosamente, seus dedinhos articulados em cabelos, braços e bundas das pobres foliãs. Como resultado, esses seres sempre reproduzem um comportamento ainda mais brutal e grosseiro que o usualmente conhecido para o neanderthalensis, o que deixa curiosos os antropólogos de plantão. Claro que ser paquerada, dar beijo na boca (com o devido consentimento mútuo) e se sentir poderosa não faz mal a ninguém, claro está. Mas esta abordagem apreendida no Plistoceno Superior (muito antes de termos cultivado as rosas e destilado os vinhos) e aprimorada com a cultura do macho-moderno-ainda-de-tacape-em-punho é, no mínimo, repudiável e pouco efetiva.
A moderna arqueologia registra ainda a existência de uma terceira linha paralela de INvolução, mas com laços aparentes de filiação as duas anteriormente descritas (neanderthalensis e carnavalensis). Trata-se da subespécie Homo brutus feicibukianus. Os representantes desta espécie se aperfeiçoaram em assédio inoportuno on line. Usam geralmente frases de criatividade entre desprezível e inexistente, tal como “Pô, gata, teu sorriso é demais... me adiciona aí, vai...” Aliás, não é por acaso que, no começo desta crônica, lhes falei “...ao caminhar solitária ou acompanhada de outro ser feminino...”. Sim, outra característica distintiva, e ao mesmo tempo peculiar, entre as espécies de Homo brutus é o seu senso de respeito pelo macho-próximo, seja marido, namorado, amante ou simplesmente ficante. Raramente, ou nunca, o H. brutus desfila suas estúpidas, despropositadas e indelicadas cantadas com a presa acompanhada pelo macho que ele julga dono da fêmea-presa. Estudos indicam que o brutus costuma respeitar, temer ou adorar (há divergência de opiniões...), o cheiro de qualquer outro membro do gênero Homo. São também muito mais corajosos e destemidos quando atuam em grupo, embora este tipo de abordagem lhes seja pouco indicada, visto que teriam que dividir o escasso resultado da caça, sendo-lhe o abate (pelos motivos já expostos) tão ineficiente.
É isso, minhas queridas amigas importunadas. A crônica veio para lhes dizer que entendo. Que lhes escutei as estórias e lhes sou plenamente solidário com as queixas. No fundo, no fundo mesmo, acho que esses tipos não gostam de mulher. Não de sexo, que disso, por uma demanda biológica de seus genes egoístas, são impelidos a buscar. Mas do feminino mesmo, dessa delicadeza que nem sequer avizinha-lhes o entendimento.  Espero que a delicadeza se instale com mais urgência (inclusive porque, imaginem, existem representantes da espécie até entre o gênero feminino...).

   

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Blue Hands


Tinha azul nas mãos. Azul intenso e morno. Sabia de tudo porque era mulher. Tentei segurar-lhe as mãos enquanto me contorcia. As mãos se foram seguir as troças do carnaval e o cheiro das ruas. Minhas unhas pareciam sujas dos esgotos. A cidade parecia suja. Love is a dog from hell, resmunga Bukowski enquanto encho a cara de cerveja ouvindo-o falar das putas de Los Angeles. Cão desses que existem mortos na rodovia; com todos os órgãos internos em pasta no asfalto. Insistentemente cão. Cão com estúpidas patas azuis. Assovio melodias populares com o que restou dos segredos. Escuto os segredos. Parecem um bando de sanguessugas que me esvaem cada hemácia. Tento pintar o pátio com esse vazio da tarde. “O amor é um cão dos diabos”.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Pipa e o Desejo



Eu boto ela lá no céu pra você, num qué...?

Prometeu acorrentado, não cheguei a portar a Luz. “...Tudo isso porque amei os mortais...” Assim acordei esta manhã, nublando com a alma o céu do Recife. Misto de plenitude e falta. Tentando inutilmente saber o que é o desejo. Especulei até o fundo das entranhas. Resposta não há. Será que Deus, ao contrário do que pensa o ateísmo engajado, é mais um desejo que uma ilusão? Muito provável. A afirmação contundente de Michel Onfray é intrigante, penso: “Superemos, portanto, a laicidade ainda marcada demais por aquilo que ela pretende combater”. Sim, às vezes tentamos combater o inimigo atacando o que ele tem de mais forte... No entanto, a ideia de Deus, e tudo que dela advém, permanecerá deslocada para o meu silêncio retórico e ideológico.  Deixo isso para os especialistas, que desses assuntos vejo apenas a superfície. Além disso, Deus apresentou-se aqui apenas como representação do desejo. Este sim, maldosa e deliciosamente me veio esta manhã. Veio-me de maneira simples e direta, com Ná Ozzeti cantando o tema de Gabriela, de Jobim: “Chega mais perto moço bonito, chega mais perto meu raio de sol, a minha casa é um escuro deserto, mas com você ela é cheia de sol.” Veio-me com a imagem de Sônia Braga (imagina-se outra Gabriela.??!) na cena em que trepa o telhado para resgatar a pipa do moleque com a majestosa bunda exposta ao público, em sua inocência quase pueril , enquanto os desejos de todos os homens e a inveja de todas as mulheres tentavam, em vão, arrancar-lhe a Gabriela toda que ela era. Eis o Desejo: é Gabriela subindo o telhado!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Jacileide


Pô, afinal de contas onde está aquele cachorro que a mulher soltou na enchente enquanto (coitada) com a bunda de fora tentava não largar aquela corda? Cheio de coisa pra fazer, viajo daqui a pouco, esperando essa consulta deste f.d.p. que me disse que iria me atender as 9h e deve estar ainda tomando café da manhã. E a Jacileide? Esta secretária com cara de dançarina de "calcinha-preta” me dizendo que "serei o próximo". Já conheço. Com sorte serei atendido lá pelas 12h depois que a prima dele chegar para fazer algum exame de urgência... "O senhor entende, né?". Coitada da Jacileide. Sei que não deveria estar bravo com ela. Provavelmente acordou lá pelas cinco da manhã para tomar dois ônibus até este consultório e agradece a Deus por ter essa cara de dançarina de banda de forró.  Afinal, com o pouco estudo, se não fosse a deselegante sensualidade suburbana vai ver que nem conseguiria essa merreca de emprego com Dr. Fugêncio. Ela até procura se sentir importante dizendo que vou ser atendido “em breve” quando no fundo sabe que quem manda é o cara do estetoscópio. E esse cara pelo jeito chega a hora que quer, visto que já estou com 45 minutos de espera. Vou fazer como a Débora sugeriu e cobrar-lhe o meu tempo desperdiçado aqui, nesta sala de espera onde só se acha Caras e Veja de três semanas atrás (Sairia muito caro para esses sujeitos pelo menos colocarem revistas decentes e atualizadas?!).  Quanta cara feia a pobre da Jacileide tem que aturar todo santo dia por causa de Fugêncio. Pô, mas Jacileide é foda! Sabe que não vou ser atendido nem tão cedo e fica me iludindo com promessas adocicadas de batom Avon e este terninho preto saltando-lhe para os lados as formas arredondadas.  Na revista já sem capa pelo uso incessante dos pobres diabos que, como eu, se submetem a essa espera-sem-hora-marcada pelo doutor, foi que revi o cachorro. Danado é que já o havia esquecido, mas aí a Dona Ilair, a dona, diz aqui: “Coitadinho, ele ficou me olhando com aquele olhinho triste e se foi naquela água. Não tinha o que fazer”. Tenho vontade de, para passar o tempo, perguntar se Jacileide sabe onde diabos foi parar esse cachorro. Deve nem lembrar. Vou mexer com isso, não. Jacileide tá lá quieta tentando nos convencer que o cara “tá já chegando”. Pelo menos ela não precisou mostrar a bunda na TV para ser salva da enchente. Pior é a lembraça da porra do cachorro sendo levado pelas águas. Onde foi parar o bicho? Isso tá me deixando mal. Naymme procurou na Internet e nem notícia do coitadinho. Enquanto espero, liguei para prosear com um amigo e ele acha que viu o gracioso Canis familiaris em Curitiba assistindo uma palestra de Jaime Lerner sobre Cidades Sustentáveis. Asseguram-me que ele foi visto em Santo Amaro da Purificação (BA) sendo alimentado com um naco de carne fresquinha por Dona Canô. “O pobrezinho tava com uma fome das enchentes”. Pronto, chegou o cara com esse Jaleco. Olho o relógio: 10:48. A porra da Jacileide me diz que primeiro tem "us retono" (sic).  Jacileide é foda!! Acho que vou ficar nervoso. Às vezes fico. Coitada da Jacileide. Sabe o quê mais? Vou embora. Aceito não essa merda de 2 horas de atraso. "Cancela aí, Jaci." E o pior é o cachorro indo embora naquela água suja... não sai da cabeça. Pô, cadê aquele cachorro?


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Desconstruir

A gritaria das marretas, o burburinho da massa sendo misturada para os rebocos, o gesso se espalhando todo branquinho pela sala e quartos. Espaços novos onde havia o nada. Espaços antigos, mesquinhos, esquecidos, são varridos pela amplitude da renovação. Circulará mais ar. Sim, definitivamente haverá mais brisa para os dias quentes. Arquiteta, pedreiro, eletricista, pintor... Eu não moro mais aqui nessa casa deles, nesse ante-espaço atemporal entre o que existia e o que virá a existir. Casas são assim: Mutáveis. A nós nos custa mais. Tentar criar poesia nos recantos e no teclado para atravessar a jornada extenuante de se reformar a casa... Imaginar os amigos antigos e os que ainda serão amigos por vir. Estão na sala nova, entre vinhos e risadas. "Ficou muito boa essa cor"... "Dá mais profundidade ao quarto"... "Adorei esse armário". "Hummm... esse vinho é bom, né?”... Derrubando paredes para criar aconchegos. Mutável. Sempre. Como houvera de ser.