segunda-feira, 27 de maio de 2013

Para o Recife

No Recife chove a esperança de que a última gota lave o cheiro de mangue
No Recife chove a esperança que tudo por fim tenha perfume de mangue
No Recife chove em cima e embaixo das sete pontes
No Recife chove no mar e para o mar de lá chovem os rios
No Recife chove nos homens nos caranguejos nas igrejas e nos fortes
Estrangeiro andante errante vacilante
Findou que o Recife choveu em mim.




domingo, 26 de maio de 2013

Uno

Eu sou o produto do que em mim mais se multiplica, se soma e, sobretudo, se divide. Sou metade o que podia ser, a soma de todos os meus quereres, multiplicada pelos desejos que ficaram na estrada comendo poeira. Sou uma unidade dividida, entre o momento da risada e o aquietar calado da melancolia. Sou punhal cravado nas costas e o sangue banhando a roseira. Vou me multiplicando sem fim, em cada encontro que tenho: como gente, como mato, como cimento e como asfalto. Tenho cheiro de mofo, uma cara quase de moço, que morre cada dia um pouco pra nascer do ovo. Somando-se ao mundo todo vou assim me dividindo, encontrando em cada porto o amor prometido. 

A Odalisca (Matisse)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O Profeta

Algumas coisas são tão simples que se demora a entender


1º de Maio

Trecho do Poema "O Operário em Construção" (Vinícius de Morais).
Quadro "Os Operários" (Tarsila do Amaral).


 "E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
Começou a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução"