segunda-feira, 28 de março de 2011

A Tapioca Freudiana







Foto: Eduardo Queiroga

Cada sonho doido, né? Esse de ontem à noite eu tenho que dividir com vocês na esperança que algum terapeuta freudiano on line possa aclarar-me as ideias ainda confusas. Era uma tapioca me perseguindo pelas ruas de Olinda. Não tinha pernas ou braços de tapioca. Arrastava-se como uma serpente recheada com queijo e coco. Eu tinha ouvido falar de uma perna cabeluda que perseguia as pessoas na década de 70 em Recife. Mas uma tapioca era algo que, até esta data, eu nunca havia temido. Das experiências traumáticas de minha infância ou adolescência, nenhuma envolvia tapiocas. No dia anterior eu não tinha comido nenhuma tapioca ou sofrido qualquer rejeição de alguém comendo uma tapioca. Minha mãe não me falava mal das tapiocas. Édipo, ao que me consta, nem sequer comia tapioca. Na verdade, adoro essa iguaria feita de fécula de mandioca e era peculiar que aquela que me assediava era, exatamente, a minha preferida (Nunca gostei dessas misturas de tapioca com leite condensando, banana, charque, chocolate. Tapioca pra mim é com queijo e coco e cafezinho junto). Isso me deixou ainda mais confuso. Por que não tapioca com pimentão ou algo que me sugerisse um pesadelo? 

O sonho começou no Alto da Sé, naquelas barraquinhas onde se fazem as melhores tapiocas do Sistema Solar. Dona Zeza me perguntou: Você vai querer com salmão? Isso já me deixou desconfiado. Com salmão?! Ela sabia minha preferência e jamais viria com essa indagação sem sentido. No sonho logo percebi que Dona Zeza estava tentando me passar a mensagem que algo não estava bem. Fiquei esperto. Ela me piscou apontando levemente a cabeça para o chão. Lá estava a tapioca gigante, deveria ter uns 2 metros pelo menos, fustigando-lhe o ralador de côco nas pernas cheia de varizes. Corre! Ela tá atrás de tu, menino!! Não deu outra: saí em desabalada carreira. Com aquelas ladeiras, acabei levando uns cinco tombos até chegar lá embaixo, nos Quatro Cantos. A tapioca rastejante tava quase abocanhando meu pé; puxei o mais rápido, levantei e tentei entrar na primeira casa que vi. Não deixaram. Disseram que era Patrimônio da Humanidade e tinham que consultar o IPHAN. Pô!! A essa altura?! Com a danada da tapioca quase me pegando?! Sem jeito, né? Enquanto ela subia à calçada, eu corri pro outro lado da rua e entrei num ateliê de bonecos gigantes. Sonho é muito doido, mesmo! Os bonecos começaram a me perguntar sobre o Big Brother... Vai, diz aí, aquela gatinha já pagou peitinho? Como eu não sabia nada da porra do Programa, o Homem da Meia Noite me expulsou de volta pra rua. Dei de cara com a tapioca. Tava ela e Alceu Valença, agarrados, cantando uma música de Lady Gaga. Aproveitei a distração dos dois e me meti a correr. Não fui muito longe. Uma banda de frevo veio em minha direção. O estranho é que, apesar do som ser o dos metais tocando Vassourinhas, os instrumentos eram sanfonas feitas de tapioca. Além disso, todos os músicos tinham a carinha-de-vovô de Dona Zeza. De repente pararam de tocar e me perguntaram: vai querer com salmão? Olhei para trás. Alceu, a tapioca, Lady Gaga, o Homem da Meia Noite, um índio Caeté, o cachorro da enchente, um sushiman e Pedro Bial rindo da minha cara. Sei não... Por via das dúvidas vou deixar de comer tapioca por uns tempos...

quarta-feira, 23 de março de 2011

Malthus e a Rainha Vermelha


         Excelente a reportagem Especial de Carta Capital (A pergunta de 9 bilhões de pessoas) - Na verdade um conteúdo originalmente da The Economist (The 9-billion people question). A questão nos relembra a hipótese Malthusiana de que, como as populações humanas crescem geometricamente e a produção dos meios de subsistência apenas em progessão aritmética, fatalmente não haveria alimentos suficientes para todos em um espaço relativamente curto de tempo (Ele publicou sua hipótese em um ensaio de 1803). Por muitos anos o desastre imaginado por Thomas Malthus assombrou a humanidade. Felizmente, e graças aos avanços tecnológicos da chamada Revolução Verde nos anos 60 e 70, a produção de alimentos aumentou vertiginosamente e hoje pode suportar duas vezes a atual população de quase 7 bilhões de bocas alimentar, vestir e transportar (Sim, senhora! Além da comida no seu prato, grande parte das fibras para sua roupa e do combustível que a transporta também vem da agricultura). Não quero discutir aqui alguns malefícios sociais e ambientais da Revolução Verde (me consumiriam um segundo texto...),  mas apenas destacar o papel que a ciência e tecnologia tem a desempenhar nesse colossal desafio, um dos maiores a serem enfrentados pela humanidade, de produzirmos  (com eficiência econômica, social e ambiental) nutrição para 9 bilhões de seres humanos esperados em 2050. Tampouco me restam dúvidas de que fome seja apenas um problema de produção de alimentos. É também um problema de distribuição e desigualdade social (lá me viria um terceiro texto de Blog e aquele artigo científico atrasaria ainda mais...). Dito isto, relembro que, como disse meu colega da Universidade de Manitoba (Vaclav Smil) não é o transistor ou o computador no qual digito este texto a invenção mais importante do século XX, mas sim o processo para fixar amônia em fertilizantes nitrogenados (sem isso teríamos 2,5 bilhões de pessoas a menos no Planeta!!). Imagino que muitos dos que leêm isso estão surpresos (E ainda temos de explicar as crianças que aquele frango não nasce congelado no supermercado!), tal o descolamento e ignorância da "sociedade (pós) moderna" com o campo que nos nutre.
         
        Sempre pensei que Malthus estaria equivocado (e ainda tendo a fazê-lo...) quando imagino que, no momento que ele trabalhava sua hipótese, os campos de seu país (A Inglaterra) produziam no máximo 2 toneladas de trigo por hectare e, hoje, com o uso intensivo de tecnologia, podemos chegar a 10 toneladas na mesma área. O Cerrado brasileiro (antes considerado "impróprio" para o cultivo) é hoje a região de maior produtividade agrícola do país. Talvez Malthus não tivesse ideia de como avançaríamos em ciência e tecnologia para tais resultados. Trabalhava com os dados que tinha e suas projeções, com o controle da natalidade e a produção agrícola crescente, pareciam-me superestimadas. No entanto, pela primeira vez desde a Revolução Verde, a produtividade das colheitas cresce mais lentamente que a população. Como disse, o desafio é colossal e exigirá a perticpação de vários e diversos campos científicos e político. 

        Temos que produzir cada vez mais em um ambiente limitado (O entendimeno dos Limites parece ser chave para a humanidade...) e com novas variavéis e decisivos players (China, Índia, África...) no sistema. Pragas e doenças que atacam plantas e que se espalham pelo Planeta (imagine que uma praga do milho - que só existia na América - chegou a Europa pelas botas da força de paz americana em Kosovo!!), aquecimento global, poluição de águas por uso (excessivo e sem critérios técnicos!) de fertilizantes, demanda de água para agricultura e para outras atividades humanas, desperdício de alimentos na própria fazenda ou no prato do consumidor, degradação de solos agrícolas, demanda de áreas para produção de biocombustíveis... a lista é longa. Além disso, as diferenças econômicas, sociais e culturais entre os países (aproveitando, a palavra cultura vem do cultivo de plantas; Como escreveu Daniel Webster, "Quando começa o cultivo outras artes vêm atrás. Os agricultores, portanto, são os fundadores da civilização humana". Deixamos de vagar nômades pelo mundo...) também têm, marcante influência. Nos países desenvolvidos se está mais preocupado com obesidade e agricultura orgânica; nos países pobres (ou para os pobres do países pobres!) a preocupação é ter o que quer que seja no prato para o almoço... Não sou contra a chamada agricultura orgânica (nem teria motivos para sê-lo), mas, em verdade factual, esse tipo de agricultura atende nichos, não a imensa demanda de alimentos que precisamos atender mundialmente. Portanto, nosso desafio  é ainda maior do que a maldição da Rainha Vermelha de Alice Através do Espelho: teremos não apenas que "correr o mais rápido para ficar no mesmo lugar" mas também produzir o mais eficientemente para chegarmos em 2050 com as 9 bilhões de bocas satisfeitas com o banquete final.



          

terça-feira, 22 de março de 2011

Sobre Tsunamis e Limites



“... sentem o solo tremer sob os seus pés; o mar, furioso, galga o porto e despedaça os navios que ali me acham ancorados. Turbilhões de chama e cinza cobrem as ruas e praças públicas; as casas desabam; abatem-se os tetos sobre os alicerces que se abalam; trinta mil habitantes são esmagados sob as ruínas.”


            O texto acima poderia fazer parte de algum relato jornalístico sobre os acontecimentos de 11 de março de 2011 no Japão, quando um terremoto seguido por um tsunami (palavra, inclusive, de origem japonesa dada à grande quantidade desses eventos no país), legou mais de 20.000 mortos e desaparecidos. As palavras de estupefato, no entanto, referem-se à outra época e lugar: Primeiro de novembro de 1755, data do grande terremoto de Lisboa. A descrição é feita por Voltaire no Capítulo V do seu Cândido

            Ambos os eventos têm me comum a força geológica descomunal de um terremoto e as perdas humanas e materiais daí resultantes. Além disso, abrem espaço para tentativas de reflexão que vão desde a ocupação do espaço pelas populações humanas, a relação do homem com a Natureza (a Terra) e as questões filosóficas envolvidas. Ademais de Voltaire, grandes pensadores como Goethe, Rousseau e Kant discutiram, seriamente impressionados pelos acontecimentos em Lisboa, o terremoto em si e as visões de mundo da época. Estávamos no florescer do Iluminismo (Século XVIII) e as explicações racionais dos eventos naturais começariam a prevalecer sobre a superstição e, ouso dizer (para não ajuntá-las no mesmo saco da superstição), sobre as opiniões que indicavam esses eventos como castigos de Deus. O escritor Português Teodoro de Almeida, por exemplo, descreveu no seguinte poema (respeito à grafia portuguesa da época) sua opinião de que os Portugueses mereceram tal castigo:
  
Eis que Deos descarrega de repente
Sobre nós hum tal golpe, taõ pezado,
Que bem vimos ser braço omnipotente,
E por justos motivos irritado.
Toda a terra então treme, e justamente
Na presença de Deos, qu estava irado:
Estremecem do monte os fundamentos,
E perturbão-se os mesmos Elementos.”

             
               Interessante observar que, embora pareça reconhecer causas naturais no terremoto, Teodoro indica a ira divina como a causa primeira da tragédia (“E por justos motivos irritado”). Essa Teodiceia (termo criado em 1710 pelo filósofo e matemático alemão Leibniz e que significa, literalmente, Justiça de Deus – no sentido de coexistirem a bondade infinita de Deus e o Mal) foi duramente criticada por Voltaire (um mestre da crítica, diga-se de passagem) em seu Poema sobre o desastre de Lisboa: “Que crimes cometeram estas crianças, esmagadas e ensanguentadas no colo de suas mães?”
          

 

 

 

Rousseau, por sua vez, interpretou que a questão estava no homem e na sua desarmonia com a Natureza (“… que a natureza não reuniu em Lisboa 20.000 casas de seis ou sete andares, e que se os habitantes dessa grande cidade se tivessem dispersado mais uniformemente e construído de modo mais ligeiro, os estragos teriam sido muito menores, talvez nulos”). Não poderia pensar diferente o filósofo que escreveu: "A maioria de nossos males é obra nossa e os evitaríamos, quase todos, conservando uma forma de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela natureza". Também não deveríamos pensar diferente em relação à ocupação do espaço e a desconsideração de que somos sujeitos a forças naturais maiores que a nossa capacidade de confrontá-las. Os japoneses sabiam do risco de ocupar as áreas litorâneas, tal como as autoridades do Rio sabiam da susceptibilidade dos morros ou os californianos sabem que serão outras vezes atingidos por fortes terremotos causados pela falha de San Andreas (San Francisco foi destruída em 1906 por um grande terremoto causado por essa falha geológica entre as placas do Pacífico e Norte-Americana). No entanto, a maioria da imprensa e do espetáculo midiático, que mais se preocupa com o “sensacional” e menos com o “natural”, ainda insiste em falar sobre uma Vingança ou fúria da Natureza e de eventos previsíveis (no sentido de que sabemos de sua recorrência) como catástrofes surpreendentes. Será que a Terra e a Natureza são prioridades para a nossa Sociedade? Construir usinas nucleares e povoar densamente áreas suscetíveis a fortes abalos sísmicos é algo sensato? Atente-se que o Japão é o país mais preparado, tecnologicamente e em treinamento da população, para enfrentar situações de terremotos e tsunamis...

 
Em uma Secreção neste Blog (There is no place like home) abordei o equilíbrio dinâmico do Planeta Terra que, uma vez iniciado, colocou em marcha as condições para a nossa convivência e respeito aos limites que nos impõem os fenômenos naturais.  Não há como praguejar contra a Natureza; tentar contrapô-la em sua força irrefreável. Repetir-se-ão episódios de perdas humanas e materiais caso sigamos com a insistência de não reconhecermos os limites que nos impõe o Planeta. Immanuel Kant, também ao analisar as conseqüências devastadoras do sismo de Lisboa (este filósofo, inclusive, é um dos precursores da Sismologia), indica-nos que o respeito às leis naturais e o reconhecimento de nossa pequenez em relação a esses fenômenos (e ao mesmo tempo a nossa capacidade sublime de entendê-los) nos faz grandes (Ensaios a Propósito do Terramoto de 1755). Confrontarmo-nos com a dimensão e força transumana dos fenômenos naturais, nos diz Kant, “embora torne mais evidente a nossa fragilidade física, fortifica a consciência da superioridade do nosso espírito face à Natureza, mesmo quando esta o ameaça”. Kant, em sua obra mais reconhecida (Crítica da Razão Pura) nos ensinou que a própria Razão Humana tem limites. Por que a nossa relação com a Natureza não teria?

 





John Lennon da Silva e o Cisne

Do Programa de merda, da tentativa de menosprezo preconceituosa pelo nome e pela roupa de gente simples. da arrogância que se curva ante a simplicidade de quem, mesmo insultado, apresenta a postura digna ... interpretação bela e original.




quarta-feira, 16 de março de 2011

There is no place like home

“Por mais distante,o errante navegante, quem jamais te esqueceria?”

O nome para esse Blog, tal qual a letra de Caetano, tem relação com o Planeta Terra.  Veio-me da suposta resposta, sussurrada às escondidas, de Galileu (cientista de outro tempo no qual Ciências Humanas e Naturais ainda andavam juntas), que, a destarte da sua confissão perante o Tribunal da Inquisição renegando o Heliocentrismo, a Terra, sim, se movia em torno do Sol ("No entanto, se move", teria dito - Eppur si muove). Mesmo Galileu talvez não imaginasse à sua época esta magnífica imagem da astronauta Tracy Dyson, 400 anos depois, na Estação Espacial Internacional, vividamente deslumbrada e serena com o "Pálido Ponto Azul" no qual habitamos. Provavelmente a mais romântica imagem da exploração espacial já registrada. 



Este planeta é realmente inspirador. Assume essa bela cor azulada quando visto do espaço graças aos envoltórios fluidos de gases e água que o recobrem. Tão insignificante vagando na vastidão do universo e, ao mesmo tempo, nosso Lar de 4,6 bilhões de anos... Tem a distância exata do Sol (nem mais nem menos) e a camada de ozônio necessária para filtrar seus raios danosos e proporcionar as condições para existência da vida tal qual a conhecemos. Fascinante o fato de que a vida (surgida há 1 bilhão de anos) moldou a Terra às suas exigências. Tivéssemos 5% menos de oxigênio na atmosfera (temos cerca de 20%) e a maioria das espécies não conseguiria sobreviver; tivéssemos 25% e o planeta inteiro seria por demais inflamável.

Esse equilíbrio delicado começou a se estabelecer quando a vida evoluiu para formar seu próprio alimento por meio da fotossíntese (processo pelo qual plantas e outros organismos “verdes” utilizam clorofila e energia solar para produzir carboidratos a partir de dióxido de carbono (CO2) e água; basicamente um “milagre”). À medida que a matéria orgânica formada pela fotossíntese era soterrada (dando origem aos chamados combustíveis fósseis) a vida habilmente retirava do ar o excesso de CO2 visando manter o nível deste gás adequado para geração do Efeito Estufa (não confundir com aquecimento global). Concomitantemente, a concentração de oxigênio (O2) era aumentada para os níveis atuais como resultado de um série de etapas de 2 bilhões de anos de evolução dessas interações. Ou seja, a vida se fez na Terra e fez da Terra, em sua interação com ela, o lugar ideal para sua proliferação. 

É uma belíssima história, não? Se não atrapalharmos muito, estima-se que esta linda esfera imperfeita tenha condições de suportar a estupenda biodiversidade que abriga por, pelo menos, mais 500 milhões de anos. O problema é que temos conseguido, com sucesso, alterar em apenas centenas de anos esse equilíbrio construído em bilhões. Há 160 mil anos (um nada do tempo geológico) - datação para o mais antigo fóssil humano moderno encontrado (Homo sapiens idaltu) - nossa capacidade de atuação planetária era inexistente. Penosamente, o Homo sapiens sapiens (nossa espécie tem apenas 120 mil anos) agora tem o poder de alterar substancialmente o clima deste planeta telúrico (do latim Tellus = Terra; telúricos são também os planetas semelhantes à Terra: Mercúrio, Vênus e Marte) e ameaçar a sua própria existência (da espécie, não do Planeta...). Desde o início da Revolução Industrial, que começou a moldar na sociedade burguesa os insustentáveis padrões de consumo que temos hoje, começamos a cometer um erro que pode ser fatal: liberar pela queima, principalmente de petróleo, todo o CO2 acumulado pela vida desde os seus primórdios. 

James Lovelock, que, tal como a nossa serena cosmonauta, também trabalhou na NASA, desenvolveu a Hipótese Gaia (“Chamo a Gaia – a Terra - de um sistema fisiológico porque parece dotada do objetivo inconsciente de regular o clima e a química em um estado confortável para a vida”, explica o autor). Apesar da polêmica que a Teoria causou no meio acadêmico, a ideia de que a Terra reage às mudanças impostas de modo a um novo equilíbrio é deveras conhecido como discuti anteriormente.  A questão é que este novo equilíbrio advindo do que impomos gerará um ambiente hostil para a vida humana em prazo relativamente curto. Seria a Vingança de Gaia, como alegam os defensores da Hipótese do planeta como um organismo vivo? Aqui vem mais uma vez o nosso desejo de querermos ser o centro (lembremos Galileu) de tudo... A Terra criará essas novas condições simplesmente porque é o que vem naturalmente fazendo há bilhões de anos, não porque deseja se vingar da espécie humana. O verdadeiro alerta é o de que teremos que desenvolver uma postura mais meditativa diante de uma Natureza com a qual teremos que dialogar; uma Mãe-Terra a qual deveríamos ser agradecidos para que nos mantenha dignos de seu generoso equilíbrio dinâmico que nos permite viver. Será que abriremos mão dos nossos confortos e egoísmo em favor dessa mudança de paradigma em direção a um desenvolvimento que seja sustentável? Ali de cima, de onde Tracy Dyson admira o bólido azul vagando no espaço, tudo sugere a unidade do Planeta. Sem fronteiras de países, raças, crenças e demais miudices que parecem tão pouco importantes daquele privilegiado ponto de vista. Ela deve imaginar, no seu cônscio e científico deslumbramento, que não há lugar como o lar. Ainda mais quando ele é azul e lindo como o nosso. 


Obama: We can?

Obama vem aí... Talvez aqui no país encontre algum alento para suas dores na pátria de origem. Seja por sua omissão ou pelas contingências do cargo e do momento, a esperança nascida com sua eleição se transformou em decepção... Todo o mundo esperava muito mais. Obama falhou não apenas no que o momento histórico lhe negou. Falhou também no que estava ao seu alcance fazer e não fez (Guantánamo é um pequeno exemplo... Wall Street, um grande!). Não se portou como um estadista que guia seu povo no momento das dificuldades como na crise de 2008 incubada pelos seus antecessores (com ênfase no nefasto governo Bush Júnior). À época de sua eleição ficamos todos impressionados que os EUA, com a chegada de um negro na Casa que é Branca, se dirigiam mais à esquerda (se pudermos dizer assim) enquanto a Europa protagonizava uma volta retumbante da Direita. Era um estranho e esperançoso paradoxo. No entanto, o país que, dada a sua influência planetária, tem possibilidades de ser um farol para o mundo, seja para o bem ou para o mal, volta agora, devido em grande parte a decepção Obama, a apresentar-nos a iminente volta da face mais dura da política egoísta, neoliberal, arcaica e imperialista que tanto difama a história recente daquele país: os democratas com a maior derrota parlamentar de sua história e o que há de mais radical e de direita nos EUA (Sarah Palin e o Tea Party) com reais chances de ocupar a Casa Branca... Se fosse só problema deles, menos mal... Pior é que respinga no resto do mundo, ainda demasiadamente dependente da política norte-americana... Infelizmente, Obama não foi (so far) "o cara". Ah, as Utopias... We can still believe? Hope so...

terça-feira, 15 de março de 2011

14 de março: Dia Nacional da Poesia

Para não deixar a data sem registro, reproduzo um poema de Drummond que diz muito (ou tudo) sobre o ato de criação poética. ("Trouxeste a chave?")




PROCURA DA POESIA
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
Não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão    lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem: rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que .se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara: ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
 

sábado, 12 de março de 2011

Seven

"Não existe pecado do lado de baixo do equador..."

Qual o seu pecado preferido? Perguntinha capciosa... De acordo com São Tomás de Aquino, os sete pecados dito Capitais são: Vaidade; Inveja; Ira; Preguiça; Avareza; Gula; Luxúria. Pelo menos quatro deles existem ou são induzidos pelas Redes Sociais (com ainda mais estardalhaço feicibukiano que no mundo "real", onde também pululam alegremente). Deveria ser um pecado que a preguiça seja um pecado... Imagine que lhe atribuíram (como para todos os demais pecados) um demônio específico, Belfegor (o coisa ruim aí de baixo ), que (não pasmem!) é também o diabinho das descobertas e das invenções (da ciência?). Fica evidente, então, que a preguiça boa (Ou o Ócio Criativo de Bertrand Russel) é absolutamente necessária para a produção artística, cultural e científica. De modo que, como trabalho com ciência e adoro  as artes (bem como esticar as pernas na rede de vez em quando...), sou tentado a eleger a Preguiça. Não estou seguro que seja meu pecado preferido (a Luxúria e a Gula são também interessantes... Hummmm), mas fica a resposta. E você? Qual seu pecado favorito?

Big Mac Fragmentário

Cansado, arrumando a linda fantasia de caboclo de lança em frente a lanchonete de fast-food da cidadezinha, Seu Inácio observa a neta adolescente ouvindo uma música antiga da Madonna.
- Ela gosta dessa cantora americana, né, Seu Inácio?
- Pois é, meu filho. É assim: ela deixa de cuidar do que é dela pra cuidar do que é dos outros...
Enquanto isso o garotão tatuado e com brinco de índio rasgando-lhe a orelha abocanha seu Big Mac. Seu Inácio parece um pouco triste. "Gosto tanto quando chega o carnaval...", ele diz.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Sunday Morning

O suor escorre pelo rosto ante a ameaça iminente da bala na cabeça. Havia tentado de todas as maneiras convencer o marginal que não precisava tirar-lhe a vida após ter entregado tudo o que pedia. Desfez-se em humilhações pelo clamor do simples ato de não se apertar o gatilho.  O átimo do disparo do projétil. O segundo existindo, apagaria toda a vida.  Sim, era verdade o que sempre imaginara por ouvir dizer: como que uma historieta de seus 62 anos cruzando o fundo da retina. O beijo da mãe ao acordar, os amigos da escola, a bicicleta, a primeira namorada, a faculdade de engenharia, o amor de Sandra, as filhas trazendo-lhe as netas, o saque no caixa eletrônico de duas horas atrás, a abordagem inesperada à entrada do carro. “Passa o dinheiro e toca pra casa, filho da puta!”. Foi tudo muito rápido. Fim de semana, cedo, rua quase vazia. Ninguém se apercebeu ou se envolveria. Agora estava ali. A mulher presa no banheiro com a cara arrebentada e ele, entre as panelas e legumes que esperavam o almoço de domingo, com o cano do 38 apontado na cabeça. Custava a acreditar que isso estava acontecendo com ele. Isso acontece com os outros. Os outros é que morrem no noticiário enquanto o dia segue seu curso. Por que diabos aquilo se passava com ele, com Sandra arrebentada no banheiro? Merda! Não podia fazer nada para ajudá-la.  Queria muito que aquilo acabasse logo. Queria que o fedor do álcool e da sujeira que exalavam do assaltante deixassem sua cozinha. Tentava manter a calma. Certamente poderia negociar e encontrar uma saída para a situação dramática, estúpida, em que se encontrava. Cofre aberto, dinheiro, joias, cartões e a chave do carro. Não há porque a morte. Cooperara, mesmo com os gritos e as coronhadas. O cara se mandaria com tudo, com esses sapatos imundos, e a vida seguiria. No dia seguinte voltaria ao trabalho e contaria aos amigos o ocorrido. “Está tudo bem agora”. O noticiário mostraria mortes de outros, cruas, insanas. Ele folgaria em saber do destino a que havia escapado. Manter a calma: era isso. Não há porque a morte, o pensamento insistia. Teria muito tempo ainda com as netas. As veria crescer como vira as filhas. Manhã de domingo definitivamente não combinava com morrer. Não estava nos planos de quem planejava ir à casa de praia dali a duas semanas para as férias de fim de ano. As netas estariam lá; adoram quando ele as levanta no alto e beija-lhes a barriga. Sandra prepararia o peixe e as filhas contariam do trabalho enquanto os genros discutiam sobre futebol. Duas semanas. Pensava como era estranha a sensação da relatividade do tempo. Do tempo passado e do tempo ainda não vivido. O suor escorria pelo rosto. Na historieta da retina o tempo de décadas fluía em segundos. Duas semanas parecia-lhe uma enormidade inalcançável. O átimo do apertar do gatilho e não haveria mais casa de praia. A vida apagada. O trabalho sujo quase terminado. Os sacos que pedira estavam cheios. Isso acabaria logo. Sentia o alívio. Não precisaria tirar-lhe a vida. A angústia de Sandra teria fim. O pedido humilhante pela vida. Os tiros. Três. O sangue e os pedaços dos miolos sobre a mesa. A perversidade, em passos rápidos, se dirigia ao banheiro...

terça-feira, 1 de março de 2011

Festa à Fantasia


 
Conhecemos dois tipos de loucura: uma que deriva dos males humanos e, outra, quando o céu nos liberta das convenções estabelecidas. (Platão) 


“Quem me vê sempre parado, distante, garante que eu não sei saber...” Embora em discordância com algumas poucas opiniões que asseveram que sambo “direitinho”, provavelmente fará melhor aposta quem desconfiar das minhas habilidades de passista.  Acho que meus 50% de sangue negro não foram suficientes para fazer-me mais malemolente. Não que não desejasse. Caso tivesse o devido talento, sambaria como um Carlinhos de Jesus onde quer que ouvisse um batuque. E olha que nem sequer me guardaria “pra quando o carnaval chegar” (como diz o autor dos versos, que – pude comprová-lo in loco – tem também sofrível destreza nos passos). Não chego a tanto. Não sei se por esta razão ou por outra, de fato não sou como alguns amigos que esperam ansiosamente o carnaval bater à porta. Compram antecipadamente suas entradas para os bailes da cidade, sabem as datas de todas as troças e têm uma fantasia diversa para cada dia momesco. Convidado (ou carregado) por alguns desses amigos, aventuro-me pelos blocos e ladeiras com a devida alegria, ainda que não eufórica, que a ocasião me sugere. Mas, não me entendam mal, também não sou desses que não gostam (ou detestam) carnaval. Gosto da festa, dos sorrisos das pessoas e da poesia discreta dos frevos de bloco. Nos anos mais animados chego mesmo a ser fiel ao dueto Dia-em-Olinda/noite-no-Recife-Antigo. Uma vez, inclusive, permiti-me a tentativa (frustrada) de permanecer seis dias em uma casa próxima ao Alto da Sé, em Olinda. Não resisti a mais que dois. O esquema 30 pessoas para dois banheiros e 24 horas ao som dos clarins de Momo me foi demasiado. Nunca reeditei a tentativa. Não o farei. Não sou esse tipo de entusiasta da festa que se entrega de corpo estropiado e alma insone às agruras (e as delícias) do carnaval em tempo real e contínuo. Especialmente porque, nesses ambientes, os verdadeiros foliões-de-carteira-assinada consideram qualquer momento de introspecção (ou simplesmente uma tentativa de descanso) como exercício da Quaresma ou da depressão. Não quis preocupá-los, que me oferecessem Rivotril ou que ofertassem ao nariz o paninho com loló. Portanto, no terceiro dia, com o sol surgindo por trás das belas casas da cidade patrimônio (e pisando alguns corpos caídos de exaustão pelo meio da sala), abandonei a casa. Adoraria amar tanto o carnaval a ponto de tamanha entrega. Não é meu caso, mas entendo perfeitamente quem o faz.
O fato é que acho beleza e curiosidade nesta euforia coletiva tão diversificada em tradições das várias regiões do país (trio elétrico, bumba-meu-boi, escola de samba, frevo, maracatu...). Embora não genuinamente brasileira (as influências lusitanas, francesas, italianas e africanas mesclaram-se neste país mestiço para moldar a festa), o calor humano adicionado à infusão, fez do Brasil o País do carnaval, a mais famosa festa profana do planeta. Por mais críticos que possamos ser quanto ao suposto embriagamento de consciências que, alegam alguns, a festança traria, continuo admirando este ritual coletivo de volta à infância onde as regras da lógica, da própria física e os preceitos morais são esquecidos. É o arquétipo do mito nos devolvendo à vida esse homem-criança que, mediante as danças e os cantos, procura se conectar com esse mundo desconhecido, com essa outra realidade na qual, em êxtase dionísico, nos escondemos, com máscaras (literalmente), das nossas próprias fantasias.