quinta-feira, 15 de maio de 2014

Angel Wings


Na tua alma clara
Diviso dois sóis acesos
Do outro lado da calçada
Chega perto
Acende as velas
Molha a língua
No escuro do quarto
Traz teu corpo iluminado
Para o que resta do cansaço
Que se estende pelos dias
Traz teu hálito alado
Para dar asas de anjo
E cheiro de unguento
A cada dor do passado

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Frontiers

Em cada livro há um pedaço de mim antes inacessível. Eu o desconhecia, até contar-me o autor dessas coisas que eu apenas supunha existir. Essa fronteira fechada do eu conversa em silêncio com as páginas e as letras que saltam no ar a minha frente, brincam nos meus olhos e, por fim, penetram pelas rachaduras da minha alma esburacada (essa entidade sempre tão permeável a palavras de outros). Já não é mais fronteira, posto que território novo, ampliado, e sob nova direção. Curioso que quando as absorvo, essas palavras bailarinas, com o cheiro da tinta ainda nos dedos, parecem-me tão minhas que chego a pensar que eu mesmo poderia tê-las deitado ao papel em um momento de sono ou de sonho. Não, não fui eu a roubá-las da letargia de ser apenas palavra. Não as arranquei dos dicionários e lhes dei a forma mágica de frases, como coelhos que pulam da cartola e me lambem os dedos enquanto teclo. Mas passo a tê-las para sempre ao meu lado, esses assombros de beleza ditados por algum anjo ou demônio nos ouvidos dos outros. Cada livro me chega como uma brincadeira de criança que não se quer acabar. Quando vai embora (em verdade um livro nunca te abandona), com a tristeza solene no virar da última página, deixa para trás a alegria, a tristeza, os amores, as dores e as ilusões de todas as estórias ainda por ouvir e por contar.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Em Maio

Que mulher trará flores em maio? Aquela que é doce e amarga, corajosa e cheia de medos, que deita reclames ao país injusto e chora pela miséria nas calçadas. Lê poesia antes de dormir e faz café forte pela manhã. Espalha os meus brinquedos pela casa e grita que não quer mais brincar. Põe a mão nos meus olhos e me faz ver o invisível. Ama o sol, o sorvete, o fortuito. Ri desbragadamente sem sentido aparente, mas aparenta ser feliz e mente sobre isso docemente. Se vier em maio virá com um cheiro de solidão nas mãos e uma pele tão quente que já me sobe um frio pela espinha...

Freedom is a state of mind

O silêncio e o desejo romperam as janelas da casa. A alma, castiça até então, deu-se mãos ao corpo pagão e foram brincar no pátio. Sem os medos da chuva, dos dias cinza, da inflação, das mortes no jornal, dos olhares de descontentamento com a alegria dela que se espalhava pela praça. A força que encontrara vinha de onde tudo se faz desassossego, da inquietude serena e lasciva da sua vida sem janelas. Havia nascido na solidão das horas secas, agudas, escuras, essa força dela. Do ventre do medo, junto às vísceras que inchavam a barriga nojenta, purulenta, desse desafeto da liberdade, ela fermentou seu dia novo. Nem deu bola para os dias sem sol ainda a atravessar. Não há liberdade sem conta a pagar. O pedágio do caminho novo era devido. Pagaria com o saldo de sorriso que lhe sobraria a partir de então. Sem tempo mais a perder, recolheu os abraços amigos espalhados pelos continentes e vestiu-se dessa couraça que apenas aos livres se pode conceber. Sorriu leve e docemente com minhas palavras. Era livre.