sábado, 17 de março de 2012

A Baforada de Gilda


Rita Hayworth em Gilda (1946). Foto: Wikimedia Commons.

Nos meus anos adolescentes, cheios de sentimentalismos exacerbados e saliências contidas, o cinema exercia um fascínio não mais especial, mas certamente ainda mais ilusoriamente real, do que o que me é entregue hoje. Tudo alargava a retina e os desejos pela força e fragilidade emanadas da imagem e do som. O que poderia ser mais real do que aquela fantasia inventada? As botas sujas dos soldados estalavam o chão com a mesma graciosidade das sandálias levíssimas das atrizes. Tudo ficava gravado nas calçadas da imaginação. E as atrizes...? Eu sonhava com Gilda. Rita Hayworth era e sempre será Gilda, antes de tudo. Eu atirava pérolas da cadeira e ela virava os cabelos como um girassol, deixando a legião de apaixonados, como eu, desnorteados pelo seu desprezo às nossas tentativas infantis de conquistá-la. Nunca na vida Gilda seria nossa. Parecia tão próxima de minha cara sua baforada de cigarro que eu sentia a respiração da deusa como um rio sem fim, rio arquétipo de todas as mulheres e devaneios, codificados por aqueles cabelos brilhantes, ondulantes e limpinhos, que me exalavam perfume francês (ainda que o cheiro mais provável fosse nicotina, que não cabia no meu coraçãozinho apaixonado...). Eu sofria tremendamente com a negação de Gilda. Chorava escondido imaginando onde ela estava, onde vivia, para que homem colocava os anéis finíssimos e, finalmente, despiria aquela seda que cobria o corpo inimaginável, a assombração que me soprava a beleza com o qual ela me enganava a cada cena. Eu murmurava, clamava, mas as minhas palavras eram brutas demais para o amor de Gilda. Ela me negaria, sempre. Deixaria meu desejo a arder enquanto a via dançar, deitar-se, retirar a luva, rir com escárnio ou com delicadeza. Meus lábios tremeriam com apelos incansáveis. Gilda continuaria insensível aos meus olhares, a minha guarda ao seu sono fora das telas, ao meu ciúme de seus homens, de seus olhos fechados para o beijo. Tive que esquecê-la (será que consegui?). Seu desprezo não me deixou alternativa, mas de fato nunca houve uma mulher como Gilda. Nem haverá.

8 comentários:

  1. Ah as paixões do cinema !! Tão avassaladoras. Não nada mais real que o sonho. O cinema é o espaço do sonho e das vicissitudes.

    ResponderExcluir
  2. Essa Gilda é mesmo poderosa!!!!!! Mulheres que roubam a cena, e deixam corações apaixonados, não apenas no desabrochar da adolescência. Corações que pensam estar cansados e desgastados pelo silenciar de suas batidas, às vezes descobrem sentimentos ardentes, que perturbam seu silêncio. Por coincidência, estava conversando com Sr. João, um velho amigo, sobre sentimentos de sua juventude, e ele contava-me que casou ainda moço, passou 30 anos casado, mas um amor virtual dominava seu inconsciente, desejos, sonhos e sono. Tinha costume de falar dormindo, e na manhã seguinte sua esposa perguntava-lhe: Quem era Jussara? E quando se aborrecia com ele falava-lhe que procurasse Jussara, já que ela tinha que dividir a noite com ela. Jussara era apenas uma sedutora mulher, que nunca foi sua... Talvez não tão provocante como Gilda, mas faceira, e despertava-lhe sentimentos ocultos...

    ResponderExcluir
  3. Jussara, talvez a Gilda do seu João... Espero que a esposa o compreenda (os 30 anos o indicam), pois as palavras, ainda mais as ditas pela (in)consciência do sonho (seja ele acordado ou dormindo), nem sempre são o que parecem (re)significar. Espero que seus sonhos sejam bons, cara anônima.

    ResponderExcluir
  4. Eita, Clístenes, eu me lascava (e ainda me lasco) de paixão Gilda...
    Abraço,
    Carlos Petruzzi

    ResponderExcluir
  5. Pois é Carlos, a mulher tem uma baforada e tanto...
    Abraço, meu caro!

    ResponderExcluir
  6. Jussara, Gilda... Estão do outro lado do palco, da tela, da órbita planetária, e ainda assim cativam paixões, desejos, amores... Esse músculo pulsante nos prega cada cilada! Pulsa às vezes de tal forma, e tenta comandar todo nosso ser desencadeando sensações “inexplicáveis”, que rapidamente envia mensagens ao cérebro, e ai silenciá-lo torna-se missão difícil e covarde. Complicado é quando a personagem está próxima, como uma vizinha que topamos no elevador todos os dias, e o sentimento desconfiado imagina que a filarmônica anunciada ao encontrá-la é escutada por todo prédio. Uma vez que a música começou, difícil é impedi-la de continuar tocando.

    ResponderExcluir
  7. Não pare a música, Anônima...

    ResponderExcluir