sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O Ano que não floresceu

Natalie Portman e Ashton Kutcher. No String Attached (2011).
Setembro chegara. No entanto, ao contrário do que a estação do ano prometia, nenhuma flor desabrochara. Ainda não era a data astronomicamente determinada, mas o mês sempre se colocava florido desde os primeiros dias. Não naquele ano. Um ano inteirinho, não apenas a primavera, sem flores. Não se imaginara tal singularidade desde o Cretáceo Inferior (145 milhões de anos atrás), quando as flores principiaram a existir.  Os jardins continuavam apenas verdes, monocolores, estáticos. Nas avenidas, onde se esperavam flamboyants e ipês adornando o caminho de carros e pessoas, as árvores eram meramente folhosas, não refletiam os espectros solares em matizes variados, mas apenas em tons esverdeados. Claro, escuro, variegado, mas tão somente verde. Nenhuma florzinha sequer.  As Espermatófitas (plantas que produzem flores) pareciam inertes, imberbes, e abandonaram seu ofício de reproduzir as espécies. Algumas rosas ameaçaram despertar, mas não foram além da queda precoce dos botões antes do desenrolar das pétalas. Os girassóis, costumeiros em seu amarelo imenso de inflorescência e sépalas ondulantes, não passavam de ramos verdes esguios. Crisântemos, margaridas, gérberas, lírios, astromélias e orquídeas sumiram das floriculturas e das varandas. Jasmins, frésias, hibiscos, narcisos, helicônias e damas da noite não deram as caras naquele ano estranho. O ano seria também sem mangas, peras, maças, pêssegos ou abricós. Nenhuma das 230 mil espécies de Angiospermas, especialistas em converter flores em frutos, seguiu o curso natural da reprodução vegetal. Botânicos, agrônomos, climatologistas, pajés e feiticeiros foram consultados. Das hipóteses mais plausíveis (mudança climática, alterações no fotoperíodo e deficiência hídrica) até as mais místicas e absurdas (revolta da Natureza e greve de insetos polinizadores), nada parecia explicar o setembro, a primavera, o ano sem flores. E isso não acontecia apenas no Hemisfério Sul. Mesmo na Zona Temperada do Norte, onde as estações são bem definidas e a primavera explode logo após o longo e branco inverno, mesmo aí, o florescimento não se fez. O jardineiro desfez-se em carinho, afagou a terra e conversou delicadamente com as plantas. O prefeito decretou que todas as praças recebessem os melhores fertilizantes. O sermão do padre enfatizou a primavera no coração dos homens, tentando evitar que os pecados, grandes e pequenos, acrescessem ainda mais escuridão aquele ano desflorido. Nada, nadinha, funcionou. Muitos se acostumaram com o ano incomum. Mesmo aqueles, pouquíssimos, que desde janeiro sentiam faltam dos bosques floridos e dos perfumes múltiplos, doces, secos, suaves e agrestes das pétalas, deixaram-se esquecer com o seguir dos meses, das ocupações, do trânsito, das dívidas... Enfim, da vida que seguia sem flores. Setembro passou e trouxe Novembro. O verão apareceria com seus dias intensos de sol, mas sem flores. Talvez ano que vem, especulariam na ceia do Natal, as flores retornem. Talvez.

5 comentários:

  1. Que suas flores voltem e a primavera viceje, enfim.

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  2. vou me esconder pra chorar...

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  3. Vi agora, na correria do dia, algumas flores pela janela de um escritório lotado de pessoas e demandas. Ainda bem, pois logo, logo é tempo de mangas...

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  4. Era una tontería, pero sentía asco de comerse una manga. Sabía que la niña había subido hasta los azahares y que las frutas de la próxima primavera estarían hinchadas de su carne, refrescada con la tremenda frescura de su muerte. No. No podría comerlas. Sabía que debajo de cada manga en todo el mundo, había una niña enterrada que endulzaba las frutas con la cal de sus huesos. Sin embargo, ahora tenía que comerse una manga. Era una tontería pensar que la niña estaba dentro de una fruta. Pero… ¿no era raro aquello? Era la primera vez en su vida que sentía verdaderos deseos de comerse una manga. Se puso alegre, alegre. Ah, ¡que placer! Comerse una manga. No sabía por qué, pero nunca tuvo un deseo más imperativo. Se levantaría, feliz de ser otra vez una persona normal, cantando alegremente llegaría hasta el patio: cantando alegremente, como una persona nueva, recién nacida…

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  5. As flores, saudades da primavera... Seu perfume encantador e fascinante colorido, como seria sem elas? Não consigo imaginar a vida, o amor, a esperança, a saudade... sem elas. Muitas vezes a deixamos ao lado de alguém que jamais sentirá seu perfume ou sentirá, sei lá, são tantas incógnitas neste mundo de meu DEUS. Elas permanecem no silêncio dos sentimentos. Ainda bem que continuarão florindo nosso planeta e adocicando nossas vidas, assim espero.

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