Teriam se passado 30 anos. A primeira visão do
corpo nu de uma mulher, ou parte dele, tinha se cristalizado na retina. A porta
entreaberta, um espelho que reflete a imagem do corpo no banho. Uma descoberta
sem precedentes até então. Não que não tivesse visto mulheres nuas antes.
Muitas. Mas aos 12 anos essas imagens me chegavam apenas pelas revistas adquiridas
às escondidas, com técnicas de espionagem, e compartilhadas entre os moleques
da rua. Assim, com textura, cheiro e formas, nunca antes. No corredor exalava
um odor úmido e quente, levemente adocicado pelo perfume do sabonete. O barulho
da ducha, as gotas e o vapor a nublarem parcialmente o vidro do box
conspiravam para a elevação dos batimentos cardíacos com a excitação daquele
momento. Morena clara, cabelos negros curtos, magra. Não como essas modelos,
magérrimas, mas magra como se definia naquela época. Contornos suaves, seios
pequenos, bunda arredondada e pernas roliças, quase fortes, jovem nos seus
vinte e poucos anos. Em nada desagradava o meu olhar de descoberta, muito pelo
contrário, me deslumbrava. Visitava nossa casa algumas vezes, mas com escassa
frequência. Vinha por motivos de parentesco distante. Meu corpo tremia.
O medo do flagrante, a alegria incontida, a cena inusitada, inesperada, a
imobilidade necessária do espião, a excitação. Ela alisava os cabelos
espumados, roçava a cabeça molhada com movimentos circulares das pontas dos dedos.
Estava de costas, assim a via pelo espelho: com as costas a servirem de queda
para a água que escorria do pescoço, dos ombros, e se precipitava pelo corpo
até banhar as coxas, limite anatômico para a minha limitada perspectiva através
da porta e do espelho. A pele coberta de gotas, de água corrente e de cheiro,
parecia ainda mais lisa vista sob aquele manto líquido. Virou-se de lado e pude
visualizar lateralmente os seus seios. Menores que os imaginava por sob as
camisetas e blusas, mas ainda assim beiravam a perfeição aos meus olhos atentos
e desbravadores solitários do corpo no banho. Paralisado entre a
fulgurante cena e o medo de ser descoberto, não me decidia entre continuar ali,
atônito, maravilhado, ou me esvair lenta e sorrateiramente para o quarto. Ouvia
o barulho da minha mãe na cozinha, a poucos passos dali, preparando o almoço.
Eram aqueles poucos minutos de uma eternidade abissal. O tempo congelado,
medido apenas pelos movimentos do corpo molhado, da ducha que se derramava
sobre ele, da minha respiração arrítmica, do tremor nas pernas indecisas. Entre
um olhar para o corredor, certificando-me da ausência de testemunhas do meu
pequeno delito, e o retorno ao foco do desejo, daquele pequeno e adorável
pecado que me paralisava, vi o olhar dela cruzar o meu no espelho. Toalha a
frente do busto, segura pelas duas mãos fechadas a altura dos seios. Divisei um
leve sorriso de cumplicidade. Uma mistura de susto e a alegria impulsionaram
minhas pernas imberbes. Em passos ligeiros refugiei-me no quarto, com o coração
ainda aos pulos. Veriamo-nos algumas vezes ainda, sem nunca mencionarmos o
momento que ainda consigo reproduzir com certa exatidão (ou imaginação) trinta
anos depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário