sexta-feira, 9 de maio de 2014

Frontiers

Em cada livro há um pedaço de mim antes inacessível. Eu o desconhecia, até contar-me o autor dessas coisas que eu apenas supunha existir. Essa fronteira fechada do eu conversa em silêncio com as páginas e as letras que saltam no ar a minha frente, brincam nos meus olhos e, por fim, penetram pelas rachaduras da minha alma esburacada (essa entidade sempre tão permeável a palavras de outros). Já não é mais fronteira, posto que território novo, ampliado, e sob nova direção. Curioso que quando as absorvo, essas palavras bailarinas, com o cheiro da tinta ainda nos dedos, parecem-me tão minhas que chego a pensar que eu mesmo poderia tê-las deitado ao papel em um momento de sono ou de sonho. Não, não fui eu a roubá-las da letargia de ser apenas palavra. Não as arranquei dos dicionários e lhes dei a forma mágica de frases, como coelhos que pulam da cartola e me lambem os dedos enquanto teclo. Mas passo a tê-las para sempre ao meu lado, esses assombros de beleza ditados por algum anjo ou demônio nos ouvidos dos outros. Cada livro me chega como uma brincadeira de criança que não se quer acabar. Quando vai embora (em verdade um livro nunca te abandona), com a tristeza solene no virar da última página, deixa para trás a alegria, a tristeza, os amores, as dores e as ilusões de todas as estórias ainda por ouvir e por contar.

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