Tannhäuser e Vênus (Otto Knille, 1873) |
Uma noite de Ópera em Paris.
Certamente alguns torcem o nariz para a música erudita ou balé, por exemplo,
como se isso significasse uma clara demarcação de território, mais metido
ou superior ao que se chamaria de popular... Outros, torcendo o nariz em
sentido contrário, consideram-se por demais sofisticados para se entregarem ao
deleite de um sambinha fortuito, desses que dá vontade de balançar a bunda de
maneira contida ou desvairada. Como cantaria João Gilberto, “Madame não gosta
que ninguém sambe! Pra que discutir com Madame?”. Com a ópera, que me parece
tem um lugar de destaque na ideia de que pode ser aborrecida e indecifrável,
acontece esse tipo pré-conceito. De fato, exige alguma atenção, mas a
recompensa poderá ser deveras agradável para os de ouvidos, olhos e espírito
abertos.
Paris tem duas magníficas casas
para ópera que tive a oportunidade de conhecer. A Ópera Garnier, belíssima obra de arte que
demorou 15 anos (1860-1875) para ser construída, sob os auspícios de Napoleão
III, e a Ópera Bastille, inaugurada em 1989 e que é uma
belezura de arquitetura moderna, acústica e conforto. Nesta assisti semana
passada uma montagem da Ópera Tannhäuser, de Richard Wagner, espetáculo
dividido em três atos, cantado em alemão e com quatro horas de duração. Pode
parecer árdua a tarefa. Não me foi nem um pouquinho. Havia legendas em francês,
o que me permitiu acompanhar adequadamente os versos. A música de Wagner,
claro, magnífica. Os cantores (tenores, barítonos, sopranos, baixos) preencheram
a alma e as horas com uma beleza colossal. Os cenários, o figurino, a dança, a
encenação. O conjunto, a meu ver, faz da ópera o mais abrangente dos
espetáculos. Nem por isso, e por demais o contrário disso, inacessível.
Tannhäuser confessa suas estripulias com Vênus ao Papa Urbano IV. Ferdinand von Piloty (1828-1895). |
No início do terceiro Ato, meses
depois da partida de seu amado, encontramos Elizabete procurando Tannhäuser, em
vão, entre os peregrinos que regressavam de Roma. É Wolfram que o encontra aos
pés do Venusberg. Em uma ária de uma beleza estrondosa, vemos Tannhäuser contar
ao amigo a recusa do Papa em perdoá-lo por sua cumplicidade com Vênus. Seria
mais fácil crescerem folhas no cedro papal que Tannhäuser ser salvo, teria dito
o dito santo Padre. O poeta se desespera. Confuso, clama pelo amor de Vênus e,
em seguida, pelo de Elizabete. As duas aparecem-lhe e se personificam, se
mesclam, posam juntas, lado a lado, para o deleite do artista. Sua pintura
nunca pareceu tão magnífica. Instintivamente, Elizabete compreende que, ao
aceitar Vênus e a sensualidade, ela celebra também uma parte dela mesma da qual
ainda não havia se percebido, mas que sempre esteve presente. Neste momento, o
coro representando os peregrinos anuncia o milagre: folhas brotaram no cetro
papal...
No avião de volta ao Recife, com as
informações do libreto de Wagner que usei aqui e com minha memória
enovelando-se em minhas impressões, tento vencer algum tempo das longas horas de
voo com essas reminiscências que, nem de longe, se pretendem uma avaliação estética
formal ou especializada do espetáculo que vira. Em verdade, apenas uma secreção
mental a mais para este espaço de Blog e para as dores da alma que atormentaram
Tannhäuser (e o próprio Wagner) e tantos homens e mulheres daquele e deste
tempo. Seria uma interpretação ingênua da dramaturgia da Ópera Tannhäuser,
entretanto, a confrontação entre o amor carnal e espiritual ou entre o pecado e
a santidade. As esferas desses amores não estão de maneira alguma em pólos
opostos. Aceitar ou vivenciar um deles não implica, necessariamente, em
rejeitar o outro, o que os torna, dessa maneira, dialeticamente ligados, como
diria uma psicanalista. Neste sentido, A natureza do amor (e da arte), tal como
apresentada nessa bela obra, continua um tema de ampla, apaixonante e
infindável discussão. O espetáculo, por fim, foi ótimo.
Aos poucos fui criando cenas e personagens, parecia estar do outro lado da platéia, o texto tinha vida... Terminei de ler, resolve ler novamente e tentar visualizar mais uma vez aquela fascinante imagem. A cena não se repetia, que pena!!! Era a única possibilidade de vivenciar aquele momento que parecia tão mágico. Olhei em volta e lá estava o celular a tocar, trazendo-me para realidade, e na minha noite de ÓPERA no Brasil o personagem da platéia tinha que ajudar quem estava do outro lado da linha, queria apenas saber se podia esquentar um pouco de água para fazer café, seu gás tinha acabado. Vizinhos são ótimos..., de volta a realidade, quem sabe um dia terei o prazer de vivenciar as imagens que consegue visualizar. Enquanto não acontece... Só a leitura pode nos fazer viajar em mundos desconhecidos.
ResponderExcluirObrigado, anônino(a), pela leitura e pelas "imagens" de seu texto...
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