domingo, 9 de outubro de 2011

O Barão Trepador


Li há poucos dias, edição 2009 da Companhia das Letras com tradução de Nilson Moulin, meu único romance de Italo Calvino. Chama-se O Barão nas Árvores. Gosto mais como o chamaram em Portugal (O Barão Trepador) ou na Itália (Il Barone Rampante), de qualquer maneira o título chamou-me a atenção e o interesse pela leitura. Como assim, nas árvores? Calvino escreveu uma divertida historieta sobre o filho primogênito do Barão de Rondó (Cosme Chuvisco de Rondó) que, um dia desses (15 de junho de 1767), cansado de seguir os ditames moribundos da família de nobres (a fantástica história se passa no século XVIII, surgimento do Iluminismo e eclosão da Revolução Francesa) decide subir às arvores e de lá nunca mais descer. Como o pequeno Cosme podia viver, afinal, em uma situação na qual “tinha-se que comer frango com talheres” enquanto o Barão sonhava se tornar Duque de Penúmbria e continuar a usar sua peruca à Luís XIV? Apesar de não ser, em minha opinião, um grande livro, o romance é de leitura agradável e inspiradora, portanto, recomendável. No entanto, por outro aspecto não literário, digamos, escrevo essa secreção. 

Como engenheiro agrônomo, chamou-me a atenção as “árvores” do título (e aqui deveria agradar-me mais o título da edição brasileira da qual reclamei anteriormente...) e como o escritor as descreveria. Para meu contentamento o fez muito bem, não apenas literária, mas também botanicamente falando.  Talvez uma importante parcela disso se deva ao fato de que Ítalo Calvino foi filho de dois cientistas ligados à área. O pai era agrônomo (o escritor nasceu em Cuba – e não na Itália, como pensam muitos - exatamente porque lá estava o pai a chefiar uma estação de pesquisa agronômica) e a mãe, botânica. O Próprio Calvino, aliás, estudou agronomia em Turim, quando, com a eclosão da Segunda Guerra, abandona a Faculdade para se engajar na resistência ao Nazismo. Depois da Guerra, doutora-se em Letras e torna-se um dos mais importantes escritores italianos do Século XX. 

Voltando às árvores, leio delicadas impressões botânicas do escritor que não me passaram despercebidas, enquanto estudioso de anatomia e fisiologia de plantas. Por exemplo, quando descreve uma das árvores preferidas do barãozinho:

Cosme acha-se sob o pavilhão de folhas, vê transparecer o sol em meio às nervuras, os frutos verdes que encorpam aos poucos, aspira o látex que rumoreja em torno dos pedúnculos. A figueira domina quem nela sobe, impregna com seu humor borrachento, com o zumbido dos zangões. (Pág. 77)

Figueira (Ficus benjamina)

O autor também descreve a Apicultura e a hidráulica, temas de disciplinas na faculdade de agronomia onde estudei. O tio de Cosme era fascinado por esses estudos, especialmente a Apicultura, que Calvino descreve na página 88:

Cosme acabou por convencer-se que a presença do cavaleiro estava ligada às abelhas e que para localizá-lo era preciso seguir o voo delas. De que modo? Ao redor de qualquer planta florida existia um difuso zunir de abelhas; era preciso não se deixar distrair por percursos isolados e secundários, mas seguir a invisível via aérea em que o vaivém das abelhas se adensava, até lograr ver uma nuvem espessa erguer-se atrás de uma sebe como fumaça. Lá embaixo ficavam as colmeias...

                Sobre Hidraúlica e Irrigação, Cosme, também com a ajuda do cavaleiro seu tio, tivera a “ideia de um aqueduto pênsil, com um conduto sustentado justamente por galhos de árvores, que permitiria alcançar a vertente oposta do vale, seco, e irriga-lo”. Infelizmente não se viu tal empreendimento ser levado a cabo em Penúmbria, tal como o tio tinha visto nas “...belíssimas, bem irrigadas terras do Sultão, hortas e jardins em que ele deveria ter sido feliz...” (página 93).  

                Estejam certos: tal como disse no primeiro capítulo do livro, Cosme nunca desceu das árvores. O simbólico gesto do pequeno barão ante a uma época mutante, o fantástico da história de um homem que vive sobre as copas das árvores e de lá tem uma visão única do mundo, a agradável e leve escrita de Calvino e, para mim, temas que me são tão caros usados como metáforas de um novo tempo de utopia valeram a leitura.  


4 comentários:

  1. Muito obrigada, Clístenes, pela indicação e pelo comentário do livro de Ítalo Calvino. As árvores são um excelente lugar para sonhar, para se integrar à natureza. A leitura do seu texto me reportou a um lugar mágico... sinto falta da goiabeira da minha infância. Desculpe se não me ponho, no momento, a fazer outro tipo de comentário que o texto sugere. O sentimento que veio foi o da infância e a ele estou dando vazão.



    Também gostei do texto "Um elogio da loucura". Adoro quando um personagem anônimo rouba a cena, especialmente quando se trata da licença poética da loucura sã. Adorei o verbo "criançar". Os loucos criançam sem as barreiras do medo, da vergonha, da culpa impostas pela sanidade doente.



    Um forte abraço,

    Valéria.

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  2. Obrigado, Valéria, pela goiabeira de sua infância!

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  3. Um ótimo livro! O prazer de ler Calvino é imenso! Eu também comecei a ler Calvino por este livro "arborícola"!
    Árvores geralmente dão bons motes para livros, já diziam os editoes do Genesis e também da Cabala...
    E se o tema é "livros e florestas", sugiro que não deixem de ler "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, onde se narra, entre outras coisas, a história dos "Book-People". Não vou dizer muito: o bom memso é ler!
    Angelo.

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  4. Legal, Ângelo! Foi longe, hein? Desde os anos 40-50 que Bradbury vem influenciando muitos... "The Martian Chronicles" é um clássico da ficção e, como bom clássico nesse linha, quem sabe premonitório e bem coadunado com a ameaça que nós, mais que marcianos, representamos...

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