sábado, 18 de agosto de 2012

A saída não é o Galeão


O que essas pessoas que pregam o voto nulo porque todos os políticos são iguais (ou seja, desonestos) recomendam? Morar na Dinamarca, o suicídio ou deixar como está para ver como é que fica?



Manhã de sábado ensolarada. Uma surpresa após a semana chuvosa na cidade que brotou dos mangues. Arrumar a cama, lavar a louça do(s) dia(s) anterior(es), fazer o próprio café, ler um livro que se quer... O dia de luz anima-me a essa pequena rotina de coisas aparentemente simples que tornam a vida negociável e são tão essenciais quanto uma viagem esperada ou um abraço amigo. O sol promete iluminar o caminho para uma boa caminhada. Vamos a ela. A intenção é boa música entrando nos ouvidos e pensar apenas no que combina com esse dia (praia, cerveja, sorvete, família, cachorro, protetor solar...). Mas, como se sabe, qualquer tentativa de esforço para não pensar em algo específico está irremediavelmente fadada ao fracasso. 
Pelas ruas as placas dos candidatos à próxima eleição tumultuam a rua e meus pensamentos.  Algumas delas me chamam a atenção pelos slogans adotados, quase todas de um mau gosto escorchante e de trocadilhos infames. Algo melhorou, de fato, quando lembramos os carros de som com as musiquinhas de doer o ouvido e tudo que é muro da cidade melecado com cola suja e cartazes que por fim não serviam de nada. Muitos recorrem a uma suposta relação de amizade, presente ou futura, para atrair o eleitor. “Amigo do Povo”, “Seu Amigo”, “O voto Amigo”, e por aí vai. Quando um candidato não sabe que seu mandato, em um país republicano, nada tem a ver com relações de amizade com quem o elegeu (visto que deve legislar bem para todos, inimigos incluídos), a coisa já começa mal. Assim o país se formou politicamente: com relações espúrias entre o público e o privado que se espraiam por toda a Sociedade e que nós alcunhamos carinhosamente de "jeitinho brasileiro", um dos maiores entraves à nossa plena cidadania. Talvez um legado ibérico, essa definição de nossa cultura como marcada pela “cordialidade” foi interpretada por Sérgio Buarque de Holanda como inadequada ao funcionamento da democracia e da burocracia, que exigem normas e leis abstratas que sejam aplicadas a todos da mesma forma. Parece que o Brasil moderno ainda não se apropriou de uma racionalidade que filtre os sentimentos e converta a coisa pública em um processo civilizatório que, na minha ótica otimista, está em curso. 
Um filtro é também necessário para a paciência que esse processo exige. Há que se ter a ideia de que não há caminho fora da política e de que o processo eleitoral, parte do processo, mas não seu fim, é fundamental para a construção de uma nação civilizada. O processo é lento, trabalho de várias gerações, percurso com frustrações, mas também com avanços. Estes, tantas vezes encobertos e diminuídos pela desesperança que se espalha a cada nova decepção. Participação consciente e engajamento político são as ferramentas para a obra. A menos que se acredite que “a saída é o Galeão”, frase usual nos tempos da ditadura militar, não há alternativa além da participação popular, de onde, afinal, deveria emanar todo o poder. Não é verdade que “todos os políticos são iguais” e que “todo mundo é ladrão”. Você incluído? A quem interessa esse discurso a não ser aos desonestos? Aos que fazem da política, a politicagem? Aos que contam com pessoas descomprometidas e que adoram alardear como odeiam política para continuar com seus mandatos a serviço próprio ou de seus financiadores? Sem essa de voto nulo, que não serve a nada, nem como protesto nem como avanço. Abandonemos esse grito de Cassandra, que espalha a nossa herança genética destinada ao atraso e a corrupção. 
Quando aparecem os “escândalos”, perde-se a oportunidade de discutir o sistema eleitoral, o financiamento público de campanha, a reforma política, com raras e louváveis exceções, em favor da repetição do discurso inútil, sem consistência, das manchetes sensacionalistas que analisam nada além da superfície. Quer protestar bem? Faça como minha avó fazia com os grãos de feijão. Separe os ruins, os que, por fim, corroídos por dentro, flutuam na água. Tenha paciência para a espera do cozimento. Escolha um candidato, pesquise sua vida e comportamento, acompanhe o desempenho de seu vereador, deputado, senador nas câmaras legislativas. Isso se você for um dos 20% que ainda lembram em quem votou... Assumir um papel político ativo, tomar a sua responsabilidade invés de tentar se esconder dela, consciente do processo longo e pedregoso que o país tem pela frente para se tornar uma nação de todos, é o único caminho possível. Não há jeitinho para isso. Nem Galeão.

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