O que essas pessoas que pregam o voto nulo
porque todos os políticos são iguais (ou seja, desonestos) recomendam?
Morar na Dinamarca, o suicídio ou deixar como está para ver como é que
fica?
Manhã de sábado ensolarada. Uma surpresa após a semana chuvosa na cidade
que brotou dos mangues. Arrumar a cama, lavar a louça do(s) dia(s)
anterior(es), fazer o próprio café, ler um livro que se quer... O dia de luz
anima-me a essa pequena rotina de coisas aparentemente simples que tornam a
vida negociável e são tão essenciais quanto uma viagem esperada ou um abraço amigo.
O sol promete iluminar o caminho para uma boa caminhada. Vamos a ela. A
intenção é boa música entrando nos ouvidos e pensar apenas no que combina com
esse dia (praia, cerveja, sorvete, família, cachorro, protetor solar...). Mas,
como se sabe, qualquer tentativa de esforço para não pensar em algo específico
está irremediavelmente fadada ao fracasso.
Pelas ruas as placas dos candidatos
à próxima eleição tumultuam a rua e meus pensamentos. Algumas delas me chamam a atenção pelos slogans
adotados, quase todas de um mau gosto escorchante e de trocadilhos infames. Algo
melhorou, de fato, quando lembramos os carros de som com as musiquinhas de doer
o ouvido e tudo que é muro da cidade melecado com cola suja e cartazes que
por fim não serviam de nada. Muitos recorrem a uma suposta relação de amizade,
presente ou futura, para atrair o eleitor. “Amigo do Povo”, “Seu Amigo”, “O
voto Amigo”, e por aí vai. Quando um candidato não sabe que seu mandato, em um
país republicano, nada tem a ver com relações de amizade com quem o elegeu
(visto que deve legislar bem para todos, inimigos incluídos), a coisa já começa
mal. Assim o país se formou politicamente: com relações espúrias entre o
público e o privado que se espraiam por toda a Sociedade e que nós alcunhamos carinhosamente
de "jeitinho brasileiro", um dos maiores entraves à nossa plena cidadania. Talvez
um legado ibérico, essa definição de nossa cultura como marcada pela “cordialidade”
foi interpretada por Sérgio Buarque de Holanda como inadequada ao funcionamento
da democracia e da burocracia, que exigem normas e leis abstratas que sejam
aplicadas a todos da mesma forma. Parece que o Brasil moderno ainda não se
apropriou de uma racionalidade que filtre os sentimentos e converta a coisa
pública em um processo civilizatório que, na minha ótica otimista, está em
curso.
Um filtro é também necessário para a paciência que esse processo exige. Há
que se ter a ideia de que não há caminho fora da política e de que o processo
eleitoral, parte do processo, mas não seu fim, é fundamental para a construção
de uma nação civilizada. O processo é lento, trabalho de várias gerações,
percurso com frustrações, mas também com avanços. Estes, tantas vezes
encobertos e diminuídos pela desesperança que se espalha a cada nova decepção. Participação
consciente e engajamento político são as ferramentas para a obra. A menos que
se acredite que “a saída é o Galeão”, frase usual nos tempos da
ditadura militar, não há alternativa além da participação popular, de
onde, afinal, deveria emanar todo o poder. Não é verdade que “todos os
políticos são iguais” e que “todo mundo é ladrão”. Você incluído? A quem
interessa esse discurso a não ser aos desonestos? Aos que fazem da política, a
politicagem? Aos que contam com pessoas descomprometidas e que adoram alardear
como odeiam política para continuar com seus mandatos a serviço próprio ou de
seus financiadores? Sem essa de voto nulo, que não serve a nada, nem como
protesto nem como avanço. Abandonemos esse grito de Cassandra, que espalha a nossa
herança genética destinada ao atraso e a corrupção.
Quando aparecem os “escândalos”,
perde-se a oportunidade de discutir o sistema eleitoral, o financiamento público
de campanha, a reforma política, com raras e louváveis exceções, em favor da repetição
do discurso inútil, sem consistência, das manchetes sensacionalistas que
analisam nada além da superfície. Quer protestar bem? Faça como minha avó fazia
com os grãos de feijão. Separe os ruins, os que, por fim, corroídos por dentro,
flutuam na água. Tenha paciência para a espera do cozimento. Escolha um
candidato, pesquise sua vida e comportamento, acompanhe o desempenho de seu
vereador, deputado, senador nas câmaras legislativas. Isso se você for um dos 20%
que ainda lembram em quem votou... Assumir um papel político ativo, tomar a sua
responsabilidade invés de tentar se esconder dela, consciente do processo longo
e pedregoso que o país tem pela frente para se tornar uma nação de todos, é o único caminho possível. Não há
jeitinho para isso. Nem Galeão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário