Li há poucos
dias, edição 2009 da Companhia das Letras com tradução de Nilson Moulin, meu
único romance de Italo Calvino. Chama-se O
Barão nas Árvores. Gosto mais como o chamaram em Portugal (O Barão Trepador) ou na Itália (Il Barone Rampante), de qualquer maneira
o título chamou-me a atenção e o interesse pela leitura. Como assim, nas
árvores? Calvino escreveu uma divertida historieta sobre o filho primogênito do
Barão de Rondó (Cosme Chuvisco de Rondó) que, um dia desses (15 de junho de
1767), cansado de seguir os ditames moribundos da família de nobres (a
fantástica história se passa no século XVIII, surgimento do Iluminismo e
eclosão da Revolução Francesa) decide subir às arvores e de lá nunca mais
descer. Como o pequeno Cosme podia viver, afinal, em uma situação na qual “tinha-se
que comer frango com talheres” enquanto o Barão sonhava se tornar Duque de
Penúmbria e continuar a usar sua peruca à Luís XIV? Apesar de não ser, em minha
opinião, um grande livro, o romance é de leitura agradável e inspiradora,
portanto, recomendável. No entanto, por outro aspecto não literário, digamos, escrevo
essa secreção.
Como engenheiro
agrônomo, chamou-me
a atenção as “árvores” do título (e aqui deveria agradar-me mais o título da edição
brasileira da qual reclamei anteriormente...) e como o escritor as descreveria.
Para meu contentamento o fez muito bem, não apenas literária, mas também botanicamente
falando. Talvez uma importante parcela
disso se deva ao fato de que Ítalo Calvino foi filho de dois cientistas ligados
à área. O pai era agrônomo (o escritor nasceu em Cuba – e não na Itália, como
pensam muitos - exatamente porque lá estava o pai a chefiar uma estação de
pesquisa agronômica) e a mãe, botânica. O Próprio Calvino, aliás, estudou
agronomia em Turim, quando, com a eclosão da Segunda
Guerra, abandona a Faculdade para se engajar na resistência ao Nazismo. Depois
da Guerra, doutora-se em Letras e torna-se um dos mais importantes escritores italianos
do Século XX.
Voltando às
árvores, leio delicadas impressões botânicas do escritor que não me passaram
despercebidas, enquanto estudioso de anatomia e fisiologia de plantas. Por
exemplo, quando descreve uma das árvores preferidas do barãozinho:
Cosme acha-se sob o pavilhão de
folhas, vê transparecer o sol em meio às nervuras, os frutos verdes que
encorpam aos poucos, aspira o látex que rumoreja em torno dos pedúnculos. A
figueira domina quem nela sobe, impregna com seu humor borrachento, com o
zumbido dos zangões. (Pág. 77)
Figueira (Ficus benjamina) |
O autor também
descreve a Apicultura e a hidráulica, temas de disciplinas na faculdade de agronomia
onde estudei. O tio de Cosme era fascinado por esses estudos, especialmente a
Apicultura, que Calvino descreve na página 88:
Cosme acabou por convencer-se que a presença do cavaleiro estava ligada
às abelhas e que para localizá-lo era preciso seguir o voo delas. De que modo? Ao
redor de qualquer planta florida existia um difuso zunir de abelhas; era
preciso não se deixar distrair por percursos isolados e secundários, mas seguir
a invisível via aérea em que o vaivém das abelhas se adensava, até lograr ver uma
nuvem espessa erguer-se atrás de uma sebe como fumaça. Lá embaixo ficavam as colmeias...
Sobre
Hidraúlica e Irrigação, Cosme, também com a ajuda do cavaleiro seu tio, tivera
a “ideia de um aqueduto pênsil, com um conduto sustentado justamente por galhos
de árvores, que permitiria alcançar a vertente oposta do vale, seco, e irriga-lo”.
Infelizmente não se viu tal empreendimento ser levado a cabo em Penúmbria, tal
como o tio tinha visto nas “...belíssimas, bem irrigadas terras do Sultão,
hortas e jardins em que ele deveria ter sido feliz...” (página 93).
Estejam
certos: tal como disse no primeiro capítulo do livro, Cosme nunca desceu das
árvores. O simbólico gesto do pequeno barão ante a uma época mutante, o
fantástico da história de um homem que vive sobre as copas das árvores e de lá
tem uma visão única do mundo, a agradável e leve escrita de Calvino e, para mim,
temas que me são tão caros usados como metáforas de um novo tempo de utopia
valeram a leitura.
Muito obrigada, Clístenes, pela indicação e pelo comentário do livro de Ítalo Calvino. As árvores são um excelente lugar para sonhar, para se integrar à natureza. A leitura do seu texto me reportou a um lugar mágico... sinto falta da goiabeira da minha infância. Desculpe se não me ponho, no momento, a fazer outro tipo de comentário que o texto sugere. O sentimento que veio foi o da infância e a ele estou dando vazão.
ResponderExcluirTambém gostei do texto "Um elogio da loucura". Adoro quando um personagem anônimo rouba a cena, especialmente quando se trata da licença poética da loucura sã. Adorei o verbo "criançar". Os loucos criançam sem as barreiras do medo, da vergonha, da culpa impostas pela sanidade doente.
Um forte abraço,
Valéria.
Obrigado, Valéria, pela goiabeira de sua infância!
ResponderExcluirUm ótimo livro! O prazer de ler Calvino é imenso! Eu também comecei a ler Calvino por este livro "arborícola"!
ResponderExcluirÁrvores geralmente dão bons motes para livros, já diziam os editoes do Genesis e também da Cabala...
E se o tema é "livros e florestas", sugiro que não deixem de ler "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury, onde se narra, entre outras coisas, a história dos "Book-People". Não vou dizer muito: o bom memso é ler!
Angelo.
Legal, Ângelo! Foi longe, hein? Desde os anos 40-50 que Bradbury vem influenciando muitos... "The Martian Chronicles" é um clássico da ficção e, como bom clássico nesse linha, quem sabe premonitório e bem coadunado com a ameaça que nós, mais que marcianos, representamos...
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