domingo, 20 de novembro de 2011

A Rede Vespa

Não há nada que um cubano goste tanto como guardar segredos.
 Gabriel Garcia Márquez


O Brasil não é um país para amadores, dizia Tom Jobim. A frase poderia ser muito apropriada também para Cuba, um país que parece perdido (ou parado) no tempo graças a um anacrônico bloqueio e as ainda poucas concessões do próprio governo cubano. Abertura sem perder as conquistas da Revolução em educação, saúde, esporte e cultura será o maior desafio que o país caribenho tem a enfrentar. O cenário parece ainda mais difícil para um país declaradamente comunista frente a um mundo capitalista em crise, a iminente morte de seu Comandante en Jefe (sem um substituto com o mesmo carisma entre seu povo) e a ainda sempre influente oposição da comunidade de cubanos exilados na Flórida, a qual nenhum aspirante a Presidente estadunidense pode iniciar a campanha sem beijar as mãos. Um país e uma situação, enfim, de difícil análise e previsibilidade de desdobramentos, mas a caminho de irrefreáveis mudanças nos próximos anos. A imagem do país, para várias gerações de brasileiros, está intimamente ligada A Ilha, de Fernando Morais.  O livro, que se tornou um verdadeiro ícone da esquerda nos anos 70, teve sua primeira edição em 1976, seguida de 30 reimpressões e uma atualização em 2001. À época do lançamento, a Guerra Fria estava no auge e os passaportes brasileiros estampavam “Não é válido para Cuba”. Naquela atmosfera, o autor conduziu três meses de entrevistas no país e nos deu a primeira ideia mais apurada do que se passava na Ilha. O polêmico livro foi acusado de fazer apologia da Revolução Cubana, tendo sido apreendido pela polícia em dois estados. O autor retorna ao tema Cuba com seu mais recente livro (Os Últimos Soldados da Guerra Fria, Companhia das Letras, 2011, 412 p.) que acabo de ler. O livro conta, de maneira agradavelmente romanceada, a saga de 14 agentes secretos cubanos (doze homens e duas mulheres) que são enviados à Flórida no início dos anos 90 como supostos desertores ou exilados do Regime cubano. As dificuldades materiais (devido aos parcos recursos financeiros disponibilizados por Cuba) e o sofrimento desses agentes, que precisaram abandonar família e amigos, sendo tratados como desertores pelos que não sabiam as suas verdadeiras histórias, são humanamente relatados pelo autor. O objetivo deste grupo (batizado de Rede Vespa) era debelar tentativas de ataques terroristas financiados por cubanos anticastristas contra pontos turísticos de Cuba. Depois da queda da URSS e as dificuldades decorrentes para o país, como a perda de produtividade das lavouras de cana, o turismo passou a ser a principal atividade econômica de Cuba. Deste modo, os ataques pretendiam mostrar que não era seguro fazer turismo na Ilha e, assim, atingir diretamente a economia e o governo de Fidel Castro. “A opinião pública internacional precisa saber que é mais seguro fazer turismo na Bósnia-Herzegovina do que em Cuba”, alardeavam líderes anticastristas na Flórida. O livro detalha ainda aspectos pitorescos da relação entre EUA e Cuba, como a admiração de Bill Clinton por Gabriel Garcia Márquez, o que permitiu o escritor colombiano ser portador de importantes documentos entre os países, e o oportunismo do governo cubano ao liberar doentes psiquiátricos e criminosos para o exílio quando Jimmy Carter resolveu reeditar a chamada Lei do Ajuste (permissão para que qualquer cubano que pisasse solo americano tivesse asilo político e status de residente permanente). O trabalho de pesquisa e entrevistas empreendidas por Fernando Morais torna o livro uma peça jornalística de elevado valor, que se complementa com uma narração com bons recursos literários que tornam a leitura bastante fluente e agradável, lembrando mais um romance policial que uma reportagem. Uma fonte a mais para aqueles que se interessam pela história e os destinos daquele país.  

3 comentários:

  1. Primeira vez que li um comentário sobre livros em teu blog. Já havia feito outros? Estava pronto para escrever minha primeira "censura" neste blog que tenho como referência. O desenrolar do texto me fez pensar que você não iria resistir e contaria o livro todo. Erro que já vi até em quem prefacia a obra. Daria um desconto pq sei do seu fascínio por Cuba. Mas não foi dessa vez que você errou. Belo texto. Um dia ainda te pego. Só para não sair daqui sem uma "cutucada". Odeio biografias e, por tabela, esse Sr. Morais ai. Hehehe. Abraços !

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  2. Luciano, não me venha com Guerra Fria!!! Rsrsrs
    Preocupa, não... É apenas uma pontinha das 400 páginas.

    Sim, tem uma secreção sobre outro livro: http://cwanascimento.blogspot.com/2011/10/o-barao-trepador.html

    Abraço!

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  3. Guerra! Embates políticos, ideológicos e militares... Toda disputa deixam marcas, e independente da causa sempre terá: o protagonista sanguinário, os aliados, os aniquilados, os derrotados, os sobreviventes... Os relatos daqueles que vivenciaram um conflito são ferramentas para refletirmos sobre a chamada “civilização” que o homem tem construído ao longo de sua história. Infeliz é o ser que ainda é capaz de qualquer atrocidade a vida e ao progresso moral. Boa recomendação!!!

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