Nunca imaginei que cairia daquela varanda. Agora
estou aqui, tentando lembrar e reviver cada segundo como se com isso
conseguisse desfazer o momento infeliz, estúpido, no qual cometi o deslize.
Desequilíbrio. Morrer é foda! Ainda mais dessa maneira ridícula que me
aconteceu. Sim, adianto-lhes para que não fiquem apreensivos ou pensem que ao
final da minha fala me verão voltando para casa, comprando pão e leite, como se
eu fosse viver mais um dia, mais uma noite além dessa manhã: estou morto agora,
nesse momento que exponho os derradeiros pensamentos que me cruzaram a cabeça.
Cabeça, aliás, que está em estado deplorável. A queda de seis andares a estropiou quase por
completo. Eu mesmo se mirasse minha cara arrebentada dificilmente me reconheceria.
Enquanto caía senti certo prazer no planar entre os
andares. Mas isso não durou mais que milésimos de segundo, pois me lembro do
temor odioso quando me apercebi que iria arrebentar no chão como um saco de
cimento caindo do céu. O dia estava claríssimo naquela manhã. Antes de adentrar
a varanda, elevar-me naquele banquinho, e bater o prego para o quadro que eu
não penduraria, vi as pessoas correndo na praça lá embaixo. Fazia tempo que me
prometia que seria uma delas, voltaria a caminhar, pararia de fumar, diminuiria
a bebida e melhoraria a dieta. Não faria mais nada disso, do mesmo modo que não
veria aquele quadro pendurado na parede da varanda que dava vista para a mesa
de jantar. As mãos, agarradas naqueles inúteis martelo e prego, não tiveram
tempo nem reflexo para se agarrarem em nada que evitasse o desfecho da minha
morte. Segundos eternos se passariam até que eu me esparramasse arrebentado na poça de
sangue que se formou sob meu corpo franzino. Apesar do corpo pouco, até que fiz
um bom barulho... Lembro-me de um som seco, indefinido, de qualquer coisa que
caísse de altura elevadíssima. Ainda vivi alguns minutos. Não tenho muita noção
de quanto. Podem ter sido uns dois, três minutos... Dez? Quinze? Segundos? Não sei... Na
iminência da morte, o tempo assumiu outra dimensão na qual, agonizante, tive
pouca ideia de transcurso. Lembro-me do gosto de sangue. Logo após a batida foi
a primeira sensação: o sangue inundando a boca. Nem mesmo os ossos que senti
quebrar, os dois braços que tentaram ridícula e inocentemente amortizar o
tombo, e as costelas, que senti estilhaçando em uma sequência, foram mais percebidos
que a profusão do gosto sanguíneo, salgado, viscoso... Vi, ainda que muito
turvado, as mães fechando os olhos das crianças para que não vissem o horror
que era eu, estatelado ali na calçada. Vi também que alguns não tinham o menor
pudor. Olhavam-me e tentavam apreender cada detalhe da minha desgraça. Não lhes
interessaria que eu tivesse conseguido afixar o quadro na parede. A minha
morte, nessa perspectiva da inutilidade e no olhar curioso ou indiferente dos que
viveriam mais que eu, parecia ainda mais esdrúxula. Alguém deve ter chamado uma
ambulância. Espero que sim, pensei. Alguma esperança ainda me restaria. Mas não
ouvi sirenes. Se vierem, não chegarão antes de minha morte. Isso eu sei.
Escorregadela? A matéria desprendeu-se do espírito, e lá estava presenciando tudo. O espírito suicida acompanhou todo instante de sua trágica morte. Vida além da vida... Ou melhor, vida após morte... O ser suicida às vezes age “consciente”, ou mata-se aos poucos a cada amanhecer, inconscientemente. É inútil pensar que a morte acabe com todas angustias, se assim fosse, seria muito fácil. Como disse no texto morrer é ...
Realmente a morte não resolve nada...Então por que anteciparmos? O texto reflete um lado desconhecido, mas as sensações parecem muito reais. Novamente, parabéns pelo texto! Interessante conversamos sobre isso e me deparar com o texto.
Escorregadela? A matéria desprendeu-se do espírito, e lá estava presenciando tudo. O espírito suicida acompanhou todo instante de sua trágica morte. Vida além da vida... Ou melhor, vida após morte... O ser suicida às vezes age “consciente”, ou mata-se aos poucos a cada amanhecer, inconscientemente. É inútil pensar que a morte acabe com todas angustias, se assim fosse, seria muito fácil. Como disse no texto morrer é ...
ResponderExcluirSim, lá estava, estupefato, presenciando tudo...
ResponderExcluirRealmente a morte não resolve nada...Então por que anteciparmos?
ResponderExcluirO texto reflete um lado desconhecido, mas as sensações parecem muito reais.
Novamente, parabéns pelo texto! Interessante conversamos sobre isso e me deparar com o texto.