terça-feira, 16 de abril de 2013

O Rapaz do caqui



O angustiante calor da tarde em nada incomodava o sorriso do rapaz. Era aberto, entre seus caquis e pinhas. Baixo o vidro. Ele acorre e me pergunta o que levarei hoje. Talvez lembre que lhe comprei caquis há umas duas semanas. Improvável. Gentil, tem o tino comercial e a simpatia. Atira essas flores janela adentro. Como estão os caquis, perguntei-lhe. De primeira, meu caro, veja que bonitos. Fiquei com duas bandejas. Dez reais por cores belas, de um vermelho ao ponto. Agradeceu-me, desejou-me um bom dia e retornou às suas frutas harmoniosa e coloridamente arrumadas na esquina, sob um guarda sol. Antes de o sinal abrir, vi o rapaz as tratar com carinho, empilhando-as de uma maneira delicada sobre as bandejas de isopor. Depois, com esmero, envolveu-as em um saco plástico, o qual permanecia aberto na superfície até o próximo cliente. Acenamo-nos um até logo, com certa cumplicidade que tomei mais minha que do rapaz. Ele, alegre com mais uma venda. Eu, satisfeito com os caquis e, principalmente, com a natural elegância e serenidade daquele rapaz no sinal. Em casa, as frutas derreteram na minha boca como só um caqui maduro sabe fazer... Enquanto sentia a umidade doce, pensei como há alegria nas coisas pequenas.


Um comentário:

  1. Às vezes pequenos fatos deixam uma candura diferente no ser! Permita-me contar sobre um... Em um domingo, juntamente com o pôr do sol, sai de casa para visitar uma velha amiga, que não encontrava há tempos, pois os quilômetros de distância da linha da vida afastaram-nos. Cheguei sem hora agendada e fui surpreendida! Quando ficamos face a face, parecia que estava diante de outra pessoa, sua face morena estava pálida e apática e, alguns quilos a menos, apesar da “magreza” não ter chamado muito minha atenção, pois sempre tivera esse privilégio. O olhar sim, esse estava estranho, pois sempre foi como duas jabuticabas maduras e falava por libras. O olhar estava cinzento, mas brilhou como me cortejasse. Havia algo anormal, mas silenciei o pensar. Após alguns segundos ela começou a falar o que aquele olhar cinzento aprisionava; era uma enfermidade degenerativa e as células se multiplicavam a cada dia; o processo era irreversível, não existia formulação que pudesse ajudar, pois as células trabalham sem um segundo cansar, frear, sossegar... Por alguns instantes, no momento de inércia da esperança, senti que aquela visita conseguiu enganar aquelas células, que permaneceram entorpecidas com minha inesperada e calorosa presença. Para mim o que seria apenas mais um reencontro a quem quero bem, foi canção de ninar para aquelas infatigáveis células, que pintaram de cinza aquele olhar. Apesar da certeza de que as células continuariam incansáveis até o falecimento daquele corpo, foi gostoso saber que induzi brilho naquele olhar, que apesar de cinzento espero ter o prazer de ainda desfrutar.

    ResponderExcluir