quarta-feira, 23 de março de 2011

Malthus e a Rainha Vermelha


         Excelente a reportagem Especial de Carta Capital (A pergunta de 9 bilhões de pessoas) - Na verdade um conteúdo originalmente da The Economist (The 9-billion people question). A questão nos relembra a hipótese Malthusiana de que, como as populações humanas crescem geometricamente e a produção dos meios de subsistência apenas em progessão aritmética, fatalmente não haveria alimentos suficientes para todos em um espaço relativamente curto de tempo (Ele publicou sua hipótese em um ensaio de 1803). Por muitos anos o desastre imaginado por Thomas Malthus assombrou a humanidade. Felizmente, e graças aos avanços tecnológicos da chamada Revolução Verde nos anos 60 e 70, a produção de alimentos aumentou vertiginosamente e hoje pode suportar duas vezes a atual população de quase 7 bilhões de bocas alimentar, vestir e transportar (Sim, senhora! Além da comida no seu prato, grande parte das fibras para sua roupa e do combustível que a transporta também vem da agricultura). Não quero discutir aqui alguns malefícios sociais e ambientais da Revolução Verde (me consumiriam um segundo texto...),  mas apenas destacar o papel que a ciência e tecnologia tem a desempenhar nesse colossal desafio, um dos maiores a serem enfrentados pela humanidade, de produzirmos  (com eficiência econômica, social e ambiental) nutrição para 9 bilhões de seres humanos esperados em 2050. Tampouco me restam dúvidas de que fome seja apenas um problema de produção de alimentos. É também um problema de distribuição e desigualdade social (lá me viria um terceiro texto de Blog e aquele artigo científico atrasaria ainda mais...). Dito isto, relembro que, como disse meu colega da Universidade de Manitoba (Vaclav Smil) não é o transistor ou o computador no qual digito este texto a invenção mais importante do século XX, mas sim o processo para fixar amônia em fertilizantes nitrogenados (sem isso teríamos 2,5 bilhões de pessoas a menos no Planeta!!). Imagino que muitos dos que leêm isso estão surpresos (E ainda temos de explicar as crianças que aquele frango não nasce congelado no supermercado!), tal o descolamento e ignorância da "sociedade (pós) moderna" com o campo que nos nutre.
         
        Sempre pensei que Malthus estaria equivocado (e ainda tendo a fazê-lo...) quando imagino que, no momento que ele trabalhava sua hipótese, os campos de seu país (A Inglaterra) produziam no máximo 2 toneladas de trigo por hectare e, hoje, com o uso intensivo de tecnologia, podemos chegar a 10 toneladas na mesma área. O Cerrado brasileiro (antes considerado "impróprio" para o cultivo) é hoje a região de maior produtividade agrícola do país. Talvez Malthus não tivesse ideia de como avançaríamos em ciência e tecnologia para tais resultados. Trabalhava com os dados que tinha e suas projeções, com o controle da natalidade e a produção agrícola crescente, pareciam-me superestimadas. No entanto, pela primeira vez desde a Revolução Verde, a produtividade das colheitas cresce mais lentamente que a população. Como disse, o desafio é colossal e exigirá a perticpação de vários e diversos campos científicos e político. 

        Temos que produzir cada vez mais em um ambiente limitado (O entendimeno dos Limites parece ser chave para a humanidade...) e com novas variavéis e decisivos players (China, Índia, África...) no sistema. Pragas e doenças que atacam plantas e que se espalham pelo Planeta (imagine que uma praga do milho - que só existia na América - chegou a Europa pelas botas da força de paz americana em Kosovo!!), aquecimento global, poluição de águas por uso (excessivo e sem critérios técnicos!) de fertilizantes, demanda de água para agricultura e para outras atividades humanas, desperdício de alimentos na própria fazenda ou no prato do consumidor, degradação de solos agrícolas, demanda de áreas para produção de biocombustíveis... a lista é longa. Além disso, as diferenças econômicas, sociais e culturais entre os países (aproveitando, a palavra cultura vem do cultivo de plantas; Como escreveu Daniel Webster, "Quando começa o cultivo outras artes vêm atrás. Os agricultores, portanto, são os fundadores da civilização humana". Deixamos de vagar nômades pelo mundo...) também têm, marcante influência. Nos países desenvolvidos se está mais preocupado com obesidade e agricultura orgânica; nos países pobres (ou para os pobres do países pobres!) a preocupação é ter o que quer que seja no prato para o almoço... Não sou contra a chamada agricultura orgânica (nem teria motivos para sê-lo), mas, em verdade factual, esse tipo de agricultura atende nichos, não a imensa demanda de alimentos que precisamos atender mundialmente. Portanto, nosso desafio  é ainda maior do que a maldição da Rainha Vermelha de Alice Através do Espelho: teremos não apenas que "correr o mais rápido para ficar no mesmo lugar" mas também produzir o mais eficientemente para chegarmos em 2050 com as 9 bilhões de bocas satisfeitas com o banquete final.



          

5 comentários:

  1. Excelente texto, digno de uma publicação numa revista de grande circulação. Continue escrevendo!
    Bj, querido

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  2. é um texto com informações muito interessantes, mas nenhum problema é mais discutido a fundo. Tipo, Há muita fome, há muita comida, há jogos de poder perversos, Malthus já era ... e etc. Amplie a crítica meu caro, você apontou nossa ignorância (pós) moderna, falou da agricultura orgânica e dos nichos poderosos em contrapeso aos milhões famintos. Exponha a instrumentalidade desse problema, mais dois ou três textos, não importa. Faça do fragmento o iluminador do todo. É uma sugestão carinhosa.

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  3. Obrigado, Castillo! Quem sabe não apareço aprofundando uns temas desses (já faço isso com meus alunos de graduação e pós). Por enquanto recomendo a própria revista com seu suplemento especial. Está muito bom!
    Bjopratu, cara!

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  4. De nada meu querido, sei que você sabe o quanto é importante para nós mediar pela crítica nossa sociedade solapada pela instrumentalidade e individualidade desumana.

    beijos !

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