quarta-feira, 16 de março de 2011

There is no place like home

“Por mais distante,o errante navegante, quem jamais te esqueceria?”

O nome para esse Blog, tal qual a letra de Caetano, tem relação com o Planeta Terra.  Veio-me da suposta resposta, sussurrada às escondidas, de Galileu (cientista de outro tempo no qual Ciências Humanas e Naturais ainda andavam juntas), que, a destarte da sua confissão perante o Tribunal da Inquisição renegando o Heliocentrismo, a Terra, sim, se movia em torno do Sol ("No entanto, se move", teria dito - Eppur si muove). Mesmo Galileu talvez não imaginasse à sua época esta magnífica imagem da astronauta Tracy Dyson, 400 anos depois, na Estação Espacial Internacional, vividamente deslumbrada e serena com o "Pálido Ponto Azul" no qual habitamos. Provavelmente a mais romântica imagem da exploração espacial já registrada. 



Este planeta é realmente inspirador. Assume essa bela cor azulada quando visto do espaço graças aos envoltórios fluidos de gases e água que o recobrem. Tão insignificante vagando na vastidão do universo e, ao mesmo tempo, nosso Lar de 4,6 bilhões de anos... Tem a distância exata do Sol (nem mais nem menos) e a camada de ozônio necessária para filtrar seus raios danosos e proporcionar as condições para existência da vida tal qual a conhecemos. Fascinante o fato de que a vida (surgida há 1 bilhão de anos) moldou a Terra às suas exigências. Tivéssemos 5% menos de oxigênio na atmosfera (temos cerca de 20%) e a maioria das espécies não conseguiria sobreviver; tivéssemos 25% e o planeta inteiro seria por demais inflamável.

Esse equilíbrio delicado começou a se estabelecer quando a vida evoluiu para formar seu próprio alimento por meio da fotossíntese (processo pelo qual plantas e outros organismos “verdes” utilizam clorofila e energia solar para produzir carboidratos a partir de dióxido de carbono (CO2) e água; basicamente um “milagre”). À medida que a matéria orgânica formada pela fotossíntese era soterrada (dando origem aos chamados combustíveis fósseis) a vida habilmente retirava do ar o excesso de CO2 visando manter o nível deste gás adequado para geração do Efeito Estufa (não confundir com aquecimento global). Concomitantemente, a concentração de oxigênio (O2) era aumentada para os níveis atuais como resultado de um série de etapas de 2 bilhões de anos de evolução dessas interações. Ou seja, a vida se fez na Terra e fez da Terra, em sua interação com ela, o lugar ideal para sua proliferação. 

É uma belíssima história, não? Se não atrapalharmos muito, estima-se que esta linda esfera imperfeita tenha condições de suportar a estupenda biodiversidade que abriga por, pelo menos, mais 500 milhões de anos. O problema é que temos conseguido, com sucesso, alterar em apenas centenas de anos esse equilíbrio construído em bilhões. Há 160 mil anos (um nada do tempo geológico) - datação para o mais antigo fóssil humano moderno encontrado (Homo sapiens idaltu) - nossa capacidade de atuação planetária era inexistente. Penosamente, o Homo sapiens sapiens (nossa espécie tem apenas 120 mil anos) agora tem o poder de alterar substancialmente o clima deste planeta telúrico (do latim Tellus = Terra; telúricos são também os planetas semelhantes à Terra: Mercúrio, Vênus e Marte) e ameaçar a sua própria existência (da espécie, não do Planeta...). Desde o início da Revolução Industrial, que começou a moldar na sociedade burguesa os insustentáveis padrões de consumo que temos hoje, começamos a cometer um erro que pode ser fatal: liberar pela queima, principalmente de petróleo, todo o CO2 acumulado pela vida desde os seus primórdios. 

James Lovelock, que, tal como a nossa serena cosmonauta, também trabalhou na NASA, desenvolveu a Hipótese Gaia (“Chamo a Gaia – a Terra - de um sistema fisiológico porque parece dotada do objetivo inconsciente de regular o clima e a química em um estado confortável para a vida”, explica o autor). Apesar da polêmica que a Teoria causou no meio acadêmico, a ideia de que a Terra reage às mudanças impostas de modo a um novo equilíbrio é deveras conhecido como discuti anteriormente.  A questão é que este novo equilíbrio advindo do que impomos gerará um ambiente hostil para a vida humana em prazo relativamente curto. Seria a Vingança de Gaia, como alegam os defensores da Hipótese do planeta como um organismo vivo? Aqui vem mais uma vez o nosso desejo de querermos ser o centro (lembremos Galileu) de tudo... A Terra criará essas novas condições simplesmente porque é o que vem naturalmente fazendo há bilhões de anos, não porque deseja se vingar da espécie humana. O verdadeiro alerta é o de que teremos que desenvolver uma postura mais meditativa diante de uma Natureza com a qual teremos que dialogar; uma Mãe-Terra a qual deveríamos ser agradecidos para que nos mantenha dignos de seu generoso equilíbrio dinâmico que nos permite viver. Será que abriremos mão dos nossos confortos e egoísmo em favor dessa mudança de paradigma em direção a um desenvolvimento que seja sustentável? Ali de cima, de onde Tracy Dyson admira o bólido azul vagando no espaço, tudo sugere a unidade do Planeta. Sem fronteiras de países, raças, crenças e demais miudices que parecem tão pouco importantes daquele privilegiado ponto de vista. Ela deve imaginar, no seu cônscio e científico deslumbramento, que não há lugar como o lar. Ainda mais quando ele é azul e lindo como o nosso. 


3 comentários:

  1. Belo texto. Didático, informativo e ao mesmo tempo reflexivo. Realmente quando analisamos a escala do tempo geológico é possível observar que nossa existência (humana) é irrisória quando comparada com a surgimento e a formação desse obscuro universo, em que a Terra (embora tão dinâmica) é apenas uma pequena fração do mesmo. Audácia nossa pensar que estaria ocorrendo uma vingança por parte desse(s) "ser(es)" (Universo, sistema solar, terra, estrelas, lua...)tão "perfeitos". Embora com tanta inteligência, nós seres evoluídos, não estamos a colocando em prática quando lidamos com o "sistema" que nos sustenta há bilhões de anos.

    ResponderExcluir
  2. Por mera coincidência hoje passei um texto em sala de aula (bastante utilizado em geologia), em que se resume e relativiza a história da formaçao da Terra (4,6 bilhões de anos) em apenas um ano.
    Os créditos do texto são dados aos autores abaixo citados. Logo em seguida apresento o texto.
    PRESS, F.; SIEVER, R.; GROTZINGER, J.; JORDAN, T. H. Para Entender a Terra. Tradução: Menegat, Rualdo (Coord.) – 4.ed. – Porto Alegre: Bookman, 2006. 656p.

    No dia primeiro de Janeiro a Terra foi formada;
    Durante o mês de janeiro e parte do início de fevereiro, ela tornou-se estruturada em núcleo, manto e crosta;
    Próximo a 21 de fevereiro, a vida se desenvolveu;
    Durante todo o outono, inverno e início da primavera, a Terra desenvolveu os continentes e bacias oceânicas, às vezes, semelhantes às atuais, e a tectônica de placas passou a operar;
    Em 25 de outubro, no início do Período Cambriano, os organismos complexos, incluindo aqueles com conchas, chegaram;
    No dia 7 de dezembro, os répteis evoluíram e, no Natal, os dinossauros foram extintos. Os humanos modernos, Homo sapiens sapiens, apareceram em cenas às 23h, na véspera do Ano Novo, e a última idade do gelo terminou às 23h58min45s.
    Três centésimos de segundo antes da meia-noite, Colombo aportou numa ilha das Índias Ocidentais.
    E poucos milésimos de segundos atrás, VOCÊ NASCEU.

    ResponderExcluir
  3. O texto de Press et al. (2006) é realmente interessante para ser utilizado em aula. Coloca o tempo geológico (inatingível para mentes que não conseguim abstrair mais que 1 milhão de anos...) na escala humana.
    Obrigado pelas observações, Edivan!
    Grande abraço!

    ResponderExcluir