terça-feira, 22 de março de 2011

Sobre Tsunamis e Limites



“... sentem o solo tremer sob os seus pés; o mar, furioso, galga o porto e despedaça os navios que ali me acham ancorados. Turbilhões de chama e cinza cobrem as ruas e praças públicas; as casas desabam; abatem-se os tetos sobre os alicerces que se abalam; trinta mil habitantes são esmagados sob as ruínas.”


            O texto acima poderia fazer parte de algum relato jornalístico sobre os acontecimentos de 11 de março de 2011 no Japão, quando um terremoto seguido por um tsunami (palavra, inclusive, de origem japonesa dada à grande quantidade desses eventos no país), legou mais de 20.000 mortos e desaparecidos. As palavras de estupefato, no entanto, referem-se à outra época e lugar: Primeiro de novembro de 1755, data do grande terremoto de Lisboa. A descrição é feita por Voltaire no Capítulo V do seu Cândido

            Ambos os eventos têm me comum a força geológica descomunal de um terremoto e as perdas humanas e materiais daí resultantes. Além disso, abrem espaço para tentativas de reflexão que vão desde a ocupação do espaço pelas populações humanas, a relação do homem com a Natureza (a Terra) e as questões filosóficas envolvidas. Ademais de Voltaire, grandes pensadores como Goethe, Rousseau e Kant discutiram, seriamente impressionados pelos acontecimentos em Lisboa, o terremoto em si e as visões de mundo da época. Estávamos no florescer do Iluminismo (Século XVIII) e as explicações racionais dos eventos naturais começariam a prevalecer sobre a superstição e, ouso dizer (para não ajuntá-las no mesmo saco da superstição), sobre as opiniões que indicavam esses eventos como castigos de Deus. O escritor Português Teodoro de Almeida, por exemplo, descreveu no seguinte poema (respeito à grafia portuguesa da época) sua opinião de que os Portugueses mereceram tal castigo:
  
Eis que Deos descarrega de repente
Sobre nós hum tal golpe, taõ pezado,
Que bem vimos ser braço omnipotente,
E por justos motivos irritado.
Toda a terra então treme, e justamente
Na presença de Deos, qu estava irado:
Estremecem do monte os fundamentos,
E perturbão-se os mesmos Elementos.”

             
               Interessante observar que, embora pareça reconhecer causas naturais no terremoto, Teodoro indica a ira divina como a causa primeira da tragédia (“E por justos motivos irritado”). Essa Teodiceia (termo criado em 1710 pelo filósofo e matemático alemão Leibniz e que significa, literalmente, Justiça de Deus – no sentido de coexistirem a bondade infinita de Deus e o Mal) foi duramente criticada por Voltaire (um mestre da crítica, diga-se de passagem) em seu Poema sobre o desastre de Lisboa: “Que crimes cometeram estas crianças, esmagadas e ensanguentadas no colo de suas mães?”
          

 

 

 

Rousseau, por sua vez, interpretou que a questão estava no homem e na sua desarmonia com a Natureza (“… que a natureza não reuniu em Lisboa 20.000 casas de seis ou sete andares, e que se os habitantes dessa grande cidade se tivessem dispersado mais uniformemente e construído de modo mais ligeiro, os estragos teriam sido muito menores, talvez nulos”). Não poderia pensar diferente o filósofo que escreveu: "A maioria de nossos males é obra nossa e os evitaríamos, quase todos, conservando uma forma de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela natureza". Também não deveríamos pensar diferente em relação à ocupação do espaço e a desconsideração de que somos sujeitos a forças naturais maiores que a nossa capacidade de confrontá-las. Os japoneses sabiam do risco de ocupar as áreas litorâneas, tal como as autoridades do Rio sabiam da susceptibilidade dos morros ou os californianos sabem que serão outras vezes atingidos por fortes terremotos causados pela falha de San Andreas (San Francisco foi destruída em 1906 por um grande terremoto causado por essa falha geológica entre as placas do Pacífico e Norte-Americana). No entanto, a maioria da imprensa e do espetáculo midiático, que mais se preocupa com o “sensacional” e menos com o “natural”, ainda insiste em falar sobre uma Vingança ou fúria da Natureza e de eventos previsíveis (no sentido de que sabemos de sua recorrência) como catástrofes surpreendentes. Será que a Terra e a Natureza são prioridades para a nossa Sociedade? Construir usinas nucleares e povoar densamente áreas suscetíveis a fortes abalos sísmicos é algo sensato? Atente-se que o Japão é o país mais preparado, tecnologicamente e em treinamento da população, para enfrentar situações de terremotos e tsunamis...

 
Em uma Secreção neste Blog (There is no place like home) abordei o equilíbrio dinâmico do Planeta Terra que, uma vez iniciado, colocou em marcha as condições para a nossa convivência e respeito aos limites que nos impõem os fenômenos naturais.  Não há como praguejar contra a Natureza; tentar contrapô-la em sua força irrefreável. Repetir-se-ão episódios de perdas humanas e materiais caso sigamos com a insistência de não reconhecermos os limites que nos impõe o Planeta. Immanuel Kant, também ao analisar as conseqüências devastadoras do sismo de Lisboa (este filósofo, inclusive, é um dos precursores da Sismologia), indica-nos que o respeito às leis naturais e o reconhecimento de nossa pequenez em relação a esses fenômenos (e ao mesmo tempo a nossa capacidade sublime de entendê-los) nos faz grandes (Ensaios a Propósito do Terramoto de 1755). Confrontarmo-nos com a dimensão e força transumana dos fenômenos naturais, nos diz Kant, “embora torne mais evidente a nossa fragilidade física, fortifica a consciência da superioridade do nosso espírito face à Natureza, mesmo quando esta o ameaça”. Kant, em sua obra mais reconhecida (Crítica da Razão Pura) nos ensinou que a própria Razão Humana tem limites. Por que a nossa relação com a Natureza não teria?

 





4 comentários:

  1. Clístenes meu caro, estamos organizando a Mostra Cultural Japonesa, uma iniciativa da ONG Tampopo e do Núcleo de Estudos de Cultura do Japão, mais os colaboradores. Com o objetivo de arrecadar fundos para as vítimas do Japão.

    Data prevista 17/04/2011
    Local, a confirmar.


    Ajude divulgar meu caro !

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  2. De minha parte, está divulgado!
    Abraço, Castillo!

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  3. E entretanto, se move, foi o que ficou mais uma vez evidente, Clístenes, seja pela "Razão Pura" ou outra forma de encarar o evento.
    Os japoneses, até onde estou informado, recebiam treinamento eficiente para agir de modo adequado em casos de terremoto, mas nao em casos de tsunami.
    Atenho-me apenas a estes aspectos, pois o caso não é mesmo para brincadeira.
    Um abraço!

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  4. Pois é, Ângelo, o terremoto de 1755 alterou em muito o pensamento filosófico da época pois evidenciou (por um fenômeno "natural") nada é estático, firme, seguro... daí, literalmente, abalaram-se os "fundamentos" do solo e do conhecimento.
    Qt ao treinamento, 20% dos terremotos do mundo ocorrem onde fica localizado o Japão, devido ao encontro de placas. Tsunamis são causados por terremotos, então, acredito que, para ambos, os japoneses estivessem "treinados". Agora, disto trata o texto, não há nunca preparo suficiente para tal força...
    Um abraço, amigo! e apareça mais!!

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