terça-feira, 1 de março de 2011

Festa à Fantasia


 
Conhecemos dois tipos de loucura: uma que deriva dos males humanos e, outra, quando o céu nos liberta das convenções estabelecidas. (Platão) 


“Quem me vê sempre parado, distante, garante que eu não sei saber...” Embora em discordância com algumas poucas opiniões que asseveram que sambo “direitinho”, provavelmente fará melhor aposta quem desconfiar das minhas habilidades de passista.  Acho que meus 50% de sangue negro não foram suficientes para fazer-me mais malemolente. Não que não desejasse. Caso tivesse o devido talento, sambaria como um Carlinhos de Jesus onde quer que ouvisse um batuque. E olha que nem sequer me guardaria “pra quando o carnaval chegar” (como diz o autor dos versos, que – pude comprová-lo in loco – tem também sofrível destreza nos passos). Não chego a tanto. Não sei se por esta razão ou por outra, de fato não sou como alguns amigos que esperam ansiosamente o carnaval bater à porta. Compram antecipadamente suas entradas para os bailes da cidade, sabem as datas de todas as troças e têm uma fantasia diversa para cada dia momesco. Convidado (ou carregado) por alguns desses amigos, aventuro-me pelos blocos e ladeiras com a devida alegria, ainda que não eufórica, que a ocasião me sugere. Mas, não me entendam mal, também não sou desses que não gostam (ou detestam) carnaval. Gosto da festa, dos sorrisos das pessoas e da poesia discreta dos frevos de bloco. Nos anos mais animados chego mesmo a ser fiel ao dueto Dia-em-Olinda/noite-no-Recife-Antigo. Uma vez, inclusive, permiti-me a tentativa (frustrada) de permanecer seis dias em uma casa próxima ao Alto da Sé, em Olinda. Não resisti a mais que dois. O esquema 30 pessoas para dois banheiros e 24 horas ao som dos clarins de Momo me foi demasiado. Nunca reeditei a tentativa. Não o farei. Não sou esse tipo de entusiasta da festa que se entrega de corpo estropiado e alma insone às agruras (e as delícias) do carnaval em tempo real e contínuo. Especialmente porque, nesses ambientes, os verdadeiros foliões-de-carteira-assinada consideram qualquer momento de introspecção (ou simplesmente uma tentativa de descanso) como exercício da Quaresma ou da depressão. Não quis preocupá-los, que me oferecessem Rivotril ou que ofertassem ao nariz o paninho com loló. Portanto, no terceiro dia, com o sol surgindo por trás das belas casas da cidade patrimônio (e pisando alguns corpos caídos de exaustão pelo meio da sala), abandonei a casa. Adoraria amar tanto o carnaval a ponto de tamanha entrega. Não é meu caso, mas entendo perfeitamente quem o faz.
O fato é que acho beleza e curiosidade nesta euforia coletiva tão diversificada em tradições das várias regiões do país (trio elétrico, bumba-meu-boi, escola de samba, frevo, maracatu...). Embora não genuinamente brasileira (as influências lusitanas, francesas, italianas e africanas mesclaram-se neste país mestiço para moldar a festa), o calor humano adicionado à infusão, fez do Brasil o País do carnaval, a mais famosa festa profana do planeta. Por mais críticos que possamos ser quanto ao suposto embriagamento de consciências que, alegam alguns, a festança traria, continuo admirando este ritual coletivo de volta à infância onde as regras da lógica, da própria física e os preceitos morais são esquecidos. É o arquétipo do mito nos devolvendo à vida esse homem-criança que, mediante as danças e os cantos, procura se conectar com esse mundo desconhecido, com essa outra realidade na qual, em êxtase dionísico, nos escondemos, com máscaras (literalmente), das nossas próprias fantasias.

4 comentários:

  1. Não condeno os seres viventes que gostam desta festa. Apenas acredito que muitos destes, manifestam as fantasias mais profundas que regem suas almas. Fantasias resguardadas por um ano e que encontram nos 4 dias de folia várias portas abertas para que possam ser extravasadas!

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  2. Adoraria amar tanto o carnaval a ponto de tamanha entrega. Não é meu caso, e não entendo perfeitamente quem o faz.
    Bom, qualquer coisa estaremos em casa,com o telefone ligado, pra um vinho, um café e um bom papo

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  3. Obrigado, minha cara (des)colombina! Café e papo tb dá samba...
    Beijo!

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