domingo, 15 de maio de 2011

Cobra, leão e ornitorrinco

Tarde na casa dos amigos, assistindo a final do pernambucano. O casal anfitrião dividido (ou unido na sua desunião): ele torcedor do Sport e ela Santa Cruz desde sempre. Via-se pela janela o estádio do Arruda, onde a multidão fazia um barulho que quase atingia a sala. Era evidente que o time tricolor era favorito, mas os rubro-negros levavam fé que seu plantel, de melhor qualidade individual e onde dois jogadores recebem o equivalente a todo folha de pagamento do time adversário, poderia surpreender e chegar ao desejado hexacampeonato que, segundo uma parcela alvirrubra de Pernambuco, continua sendo um Luxo exclusivo do time dos Aflitos. Mais uma vez ficaria demonstrado que um dos maiores encantos do futebol é que a lógica salarial e técnica pode ser superada em campo com dedicação tática, disciplina e uma vibrante torcida a empolgar os atletas (situação mais rara em esportes como vôlei, basquete, tênis, nos quais os times mais técnicos quase que invariavelmente saem vencedores). 

O primeiro tempo não trouxe a emoção do gol. Sem gol futebol perde muito da sua graça, de modo que passei a apreciar o caldinho de camarão preparado pelo anfitrião com maior empolgação que aquela dedicada aos lançamentos de linha de fundo. É bem verdade que nenhum dos presentes poderia ser considerado um torcedor fanático. De minha parte, fiquei pensando no bicho estampado no meu descanso de copo com cerveja Skol, o qual reúne características das mascotes de ambos os times (Leão e Cobra Coral). Explico-me: o ornitorrinco é um animal único, que é ao mesmo tempo réptil, ave e mamífero. A fêmea produz leite mesmo sem possuir mamas (os filhotes o lambem diretamente dos poros e sulcos abdominais da mãe), mas também bota ovos, enquanto o macho secreta um veneno semelhante ao das serpentes. O animal é tão esquisito que o primeiro exemplar exposto (empalhado) na Europa (o Ornithorhynchus anatinus é endêmico da Austrália) foi considerado um embuste pela comunidade científica.  Comuniquei parte disso aos presentes, na tentativa de animar aqueles últimos minutos de primeiro tempo sem gols marcados, enquanto continuava a degustar o caldinho, agora acompanhado de pastéis, coxinhas, pães e queijos. O ornitorrinco, em meu lugar, estaria feliz da vida em encontrar comida tão fácil e abundantemente. Em cativeiro o animal chega a comer o equivalente a metade de seu próprio peso. Apesar de a cerveja começar a embotar meus melhores pensamentos, não deixei de calcular que eu teria que ingerir uns 42 quilos de alimentos diariamente para atingir o desempenho de nosso amigo australiano. 

O intervalo de jogo passou rápido entre conversas sobre rock ‘n’ roll, com ênfase em Elvis, Beatles e no maravilhoso solo de guitarra que Clapton adicionou à Something, de George Harrison. A dona da casa era a mais empolgada com o segundo tempo que levaria sua equipe à conquista do merecido campeonato. Como sempre há culpados para a derrota (e considerando que Mick Jagger não estava presente no estádio), um dos convidados foi escolhido para o papel de pé-frio após afirmar que sempre que assistia aos jogos fora de casa o seu time perdia... Nesse caso ganhara, mas com diferença de apenas um gol, nem sequer vibrado e insuficiente para reverter o placar do primeiro embate.  O Rugby é o esporte mais popular da Austrália. No Brasil quase ninguém sabe de Rugby e do animalzinho bizarro, um verdadeiro elo perdido. Hoje foi dia de Cobra Coral em Recife, mas foi o ornitorrinco que me ficou na cabeça e no fundo do copo de cerveja... 

Imagem: O Globo
 Aos interessados, artigo (em inglês) da Nature que revela, via sequenciamento genético, que o nosso simpático personagem exibe uma fascinante combinação de características de mamíferos e reptéis: 
http://www.nature.com/nature/journal/v453/n7192/full/nature06936.html

5 comentários:

  1. O bichinho é gracioso, Naymme... Xodó dos evolucionistas.

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  2. Caro Clístenes

    Suas crônicas estão aflorando até mesmo de momentos tão casuais. O que me encanta nas mesmas e faz eu não parar de lhe elogiar é que sempre são recheadas de uma pintada de informação e de humor sadio.
    Interessante como a palavra escrita nos prende a atenção. Não é por acaso que hoje devemos ter mais esmero com o que escrevemos até mais do que aquilo que falamos.
    Veja só o que uma tarde de apenas quatro horas nos remeteu:
    Qualidade musical, consertos internacionais, solos de guitarra, violão, piano. Ícones do cenário musical mundial, com destaque para Paul e Clapton.
    Evolução, elos perdidos, Arquitetura, Culinária (pão de metro - novo pra mim; caldo ou ensopado de camarão), construção civil, iluminação dos mais diversos ambientes, tecnologia (luz de led) ...

    Realmente a cada dia aprendemos mais e mais. Como o ser humano é um sistema dinâmico e aberto. Essas informações podem ser enquadradas em diferentes sistemas de classificação. Vou parar aqui porque já quero falar em solos.....

    Edivan R. de Souza

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  3. Abraço, Edivan! "...ser humano é um sistema dinâmico e aberto."

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  4. Animalzinho bizarro, Darwin o diga. Esse mamífero sem mamas que amamenta, e para complicar meio de campo bota ovos, é digno da evolução. Falando em Darwin, sua teoria da evolução bem que poderia acompanhar torcedores “fanáticos”. Acompanhei domingo passado os berros de um vizinho peçonhento, com esse tal ornito..., achei que não tinha antídoto para seu veneno, mas a derrota o fez silenciar.

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