quarta-feira, 11 de maio de 2011

Fragmentos


Fragmento de um continho selecionado para publicação pela Editora da Universidade Federal de Viçosa.

              Conhecera-o na livraria, no segundo domingo de um março chuvoso, quando buscava romances latino-americanos para o trabalho de sua dissertação de mestrado. Respondera-lhe, com uma ligeira inclinação da cabeça, que “sim, estava interessada em um tema em especial”. Sabia que a pergunta vinha mais pelo interesse da aproximação do que pela curiosidade sobre seus gostos literários. Como vislumbrara certa delicadeza nos gestos e nas circunstâncias, permitiu que a conversa se prolongasse até o café e as discussões sobre “Amor e revolução na literatura latino-americana”. Apesar de não ser um especialista em literatura (ademais ele admitira que os romances russos animavam-lhe mais), satisfazia-lhe o interesse e a atenção que ele dispensava à sua explanação. Havia tempos que não se sentia tão à vontade com um homem, especialmente na situação de tê-lo acabado de conhecer. “Que sorte que chove nas tardes de domingo”, pensou após ele lhe ter contado que estava no caminho para o carro quando a torrente o obrigou a proteger-se na livraria.  Agora tinha que ir, mas adoraria se ela aceitasse o convite para o jantar. Respondeu-lhe que quinta estava bem e que, sim, ele poderia buscá-la em casa as 20:30h. Congelou os dias esperando o relógio indicar-lhe 20:30 da quinta-feira. Sentiu-se como Clarice, ao finalmente ter em mãos o livro da gorducha sardenta, na sua felicidade clandestina de degustar cada página e esconder o livro das suas vistas, de modo a satisfazer o prazer de reencontrá-lo. A quinta-feira 20:30 era o livro de Marina. Só que seu aguardar era como ter os dias restantes do tempo presente como um obstáculo a se aniquilar; queria saltar-lhes o enfado da espera. De fato, pareceu-lhe que da livraria saltara para a mesa do restaurante, como se de domingo se saltasse para a quinta. Os sons, as risadas, o foie gras, o docinho do licor na boca... A intimidade se confirmara. Amaram-se naquela mesma noite, com a ânsia serena que ela antecipara pelo assombro do primeiro encontro.

2 comentários:

  1. Por alguns instantes tive a impressão que ela não permanecia estatelada entre as pedras, movimenta-se, acho que queria sair. Às vezes tentamos ficar em um esconderijo como esse, mas a vida convida-nos a pular fora. Ela nos surpreende como fez neste encontro em uma tarde chuvosa, quando o coração palpitou diferente, e a ansiedade acompanhava a chegada daquela quinta-feira. Essa vida é mesmo faceira e dar muitas voltas!

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