sábado, 9 de abril de 2011

Geosmim e Abricós

Kids in Rain (Jeet Ganguli)
Sábado chuvoso em Recife. As pessoas da cidade geralmente não gostam de dias assim. Não é para menos; impermeabilizamos tanto o solo que, nesta cidade construída sobre mangues e rodeada de cursos d’água (cá estamos em uma planície aluvial envolvida por cinco rios), a água não tem como drenar livremente e, acumulando-se nas ruas e ameaçando barrancos, causa o caos no trânsito e na vida das pessoas devidamente conhecido pelos habitantes da dita Veneza Brasileira.

Mesmo assim, gosto de ver a água escorrendo na minha janela e, invariavelmente, relembro o moleque que adorava sair às ruas em dias de chuva. A mãe sempre reclamava (“vai ficar doente, menino!”), mas o apelo das bicas das casas, das correrias com os amigos chutando a água que fluía no meio-fio, da delícia da chuva forte ensopando o corpo, era maior (maior, inclusive, que as chineladas que algumas vezes advinham da desobediência...). Mas havia algo que eu gostava mais: aquele cheiro suave de terra molhada que a chuva trazia. Muitos anos (e um doutorado) depois, eu viria a descobrir que o odor se devia ao sesquiterpeno trans-1,10-dimetil-trans-9-decalol. Felizmente, há um nome mais simples para este composto: Geosmim ou Geosmina. O cheiro-de-terra-molhada (tão agradável para a maioria das pessoas que é usado em perfumes) deriva de alguns microrganismos presentes no solo, que o produzem, sempre que há umidade, a partir de uma enzima chamada germacradienol sintase.
 
Bem, os nomes podem até lhe ser estranhos, mas o aroma deve lhe ser muito familiar. Talvez você já o tenha sentido também em uma taça de vinho... Os sentidos humanos (paladar e olfato) são tão sensíveis ao geosmim que podemos detectá-lo em concentração tão baixa quanto 0,7 parte por bilhão! Mas não pensemos nós que a Natureza produz geosmim apenas para agradar nossos narizes. Vocês nunca se perguntaram como os camelos encontram o oásis? Em parte devido a essa fragrância que ele fuça no ar; enquanto o camelídio se refresca, os esporos dos fungos aproveitam para lhe subir a corcova e propagarem-se por quilômetros... Algumas cactáceas (plantas típicas de ambientes áridos) podem mimetizar a fragrância do geosmim para “iludir” os insetos de que encontraram água; assim se beneficiam da polinização.

Bertrand Russel passou a achar os abricós ainda mais saborosos quando soube que seu cultivo provém da China, que foram introduzidas na Índia pelos reféns chineses do rei Kaniska e dali se espalharam para a Pérsia, alcançando o Império Romano no primeiro século de nossa era (O Conhecimento inútil, capítulo 2 de O Elogio do Ócio). Portanto, o conhecimento não apenas torna menos desagradáveis as coisas desagradáveis, como torna ainda mais agradáveis as que já nos são agradáveis. Nesta manhã de sábado não resisti... Sai à chuva. Ainda mais que o moleque que era, o homem que sou achou ainda mais delicioso o cheirinho de terra molhada.

10 comentários:

  1. Meu querido,boa noitinha.
    eu amo cheiro de chuva. ele, é ele só...chuva me lembra os bezerrinhos pulando, me lembra infância, me lembra gente grande indo voltar pra ela, em busca dela. Mas, é ir em busca de um tempo perdido...a gente vive seus simulacros. certa feita, também no meu doutorado, estava nas profundezas do metrô Vila Madalena e, quando desci, a estação cheirava a chuva. Pensei " me fudi...tô com minha sandália de pano, nova, e sem quarda-chuva... Tem nada não". Aí fui a menina de Gravatá do Ibiapina de novo: tirei as sandálias e,sem olhar a cara de espanto dos "emguardachuvados" fui caminhando pra casa pelas ladeiras da vila. Não vi meninos nas bicas das casas (na Vila, mágica Vila, ainda tem muitas casas) nem o tal cachorro de Jacileide não...aliás, não vi cachorro algum...
    beijo

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  2. Meu Querido Amigo
    Assim vai ficar mais gostoso aprender sobre as outras ciências...Essa mistura de vida, sabores, sentidos, lembranças... enlaçando saberes e afetos...é uma delícia! Que alma não transita para tempos outros, embalada e invitada pela memória alheia a desenrolar novelos de imagens adormecidas...com cheiros e gostos dos dias chuvosos deliciosamente vividos nas ruas da infância. Beijos e boas inspirações!!!

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  3. AMO dias de chuva!

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  4. Também sempre gostei de dias de chuva. Mas não saía nas ruas, pela mesma recomendação (vai ficar doente menina!"e não é que até hoje fico doente mesmo?"). Hoje à tarde fui (contra minha vontade) à padaria e a chuva teimou em cair antes que eu chegasse em casa!!! Espirrei e continuo espirrando até agora por causa dos poucos pingos que sobre mim caíram!!! Quanto ao "cheirinho de terra molhada", não o senti. Sentiríamos o de asfalto, se este liberasse algum odor!!!

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  5. Adoro conhecimento inútil e ainda mais do cheirinho de terra molhada e de suas belas palavras ;)
    Beijos Cristinho

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