quinta-feira, 14 de abril de 2011

Judas, Wellingtons e Ciências

Pintura Anônima do Século XII

Judas teve escolha ao beijar o rosto de Jesus? O nome do Iscariotes é sempre associado a traidor, persona non grata, aquele no qual não se pode confiar. Dante Alighieri o relegou ao último círculo dos infernos da Divina Comédia. Apregoa-se que o sujeito nem mesmo desejasse ser apóstolo, mas teria sido escolhido por Cristo: "Não fui Eu que vos escolhi a vós doze? No entanto, um de vós é um demônio" (Jo 6, 70).  Malhei muito boneco de Judas na adolescência, mas desde lá achava que exageravam a mão... Isso porque sempre tive a ideia de que, em um mundo determinístico, Judas não teria escolha. Ele veio à vida destinado a dedurar Jesus e assim o fez. Tudo já estava determinado. Nem de longe levanto aqui uma questão religiosa, mas sim filosófica. Se o Determinismo está correto, as pessoas são moralmente responsáveis pelos seus atos? Pois essa minha inquietação encontrou alento em um artigo da Science recentemente publicado (Experimental Phylosophy and the Problem of Free Will – Filosofia Experimental e o Problema do Livre-arbítrio).

Como indicado pelo autor (Shaun Nichols, da Universidade do Arizona), os filósofos dividem-se nesta questão. Alguns sustentam que o determinismo é irrelevante para as questões da responsabilidade moral (Compatibilismo) enquanto outros argumentam que se o determinismo é verdadeiro, ninguém pode ser verdadeiramente responsável (Incompatibilismo).  Nesse terrível episódio do assassinato das crianças em Realengo, o autor dos disparos teve escolha? Ele poderia ter agido diferentemente? O artigo de Nichols (em verdade uma revisão sobre artigos abordando o tema) nos dá uma ideia de como interpretamos esses fatos e demonstra que pessoas leigas (tal como os filósofos...) tem visões conflitantes. Por exemplo, em um experimento os participantes, ao serem apresentados ao que significa Determinismo, tenderam a responder que não é possível responsabilizar alguém neste universo onde cada decisão é completamente causada por algo que aconteceu antes da decisão (Intenção Divina no caso de Judas? Desordem neurológica no caso do Rio?). No entanto, quando os participantes foram colocados ante a situação de um homem que matou sua família, a resposta foi de que o homem era moralmente responsável pela sua ação (mesmo em um universo determinístico). De fato, casos concretos de mau comportamento levam as pessoas a atribuírem responsabilidade (mesmo quando uma desordem neurológica ou psicológica está envolvida) pelo desejo mais que humano de culpar o agressor. Em contraste, essas mesmas pessoas tendem a responder que ninguém pode ser culpado em uma situação determinística. A explicação para esses resultados conflitantes é que fatores emocionais afetam a nossa atribuição de culpa.  

Além de me fazer pensar mais sobre as minhas inquietações com o livre-arbítrio de Judas e dos muitos Wellingtons, o artigo da Science apresentou-me uma nova abordagem metodológica nas ciências humanas (a Filosofia Experimental) que a aproximaria mais das ciências ditas naturais, ou mesmo as sociais (que já se utilizam de técnicas experimentais). O assunto é interessantíssimo e causa opiniões apaixonadamente discordantes. A mim me deixa contente que a separação dessas ciências (ou saberes) ocorrida no século XIX possa ser, ainda que parcialmente, repensada e discutida.  Além do trabalho citado neste pequeno texto, uma tese orientada por Marilena Chauí (Robert Boyle e a filosofia experimental: a química como chave para a interpretação da natureza – Luciana Zaterka) e o site Filosofia Experimental podem ser boas leituras.  

5 comentários:

  1. Interessante a discussão, pois tudo o que nos leva a pensar no porque de tudo o que nos acontece, ou deixamos que nos aconteça é sempre válido. Particularmente me é difícil avaliar qualquer acontecimento que nos atinge de algum modo sem que deixe de considerar fortemente a nossa participação nas consequências. Sejam elas boas ou más, sempre serão fruto, também, de nossa percepção. O livre arbítrio é algo que nos exige coragem para assumir nossas escolhas. Em algumas situações essa coragem tem que ser de "mamar em onça". Mas, na maioria das vezes, depois de tomada a decisão a alma fica em paz e aí lembro que vale sempre a pena sermos corajosos para assumir nossas decisões!

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  2. Todas as questões levantadas são demasiadamente conflitantes!!!

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  3. Pois é, Rejane, como diz Sartre, estamos "condenados" a ser livres. Condenados porque ao sermos livres assumimos total responsabilidade pelos nossos atos. Como vc bem disse, "assumimos nossas escolhas". Seria-nos, nesta perspectiva, muito duro imaginarmo-nos em um mundo determinístico... Obrigado pelo comentário.

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  4. Meu caro Clístenis. sobre realendo prefiro dizer em um texto mais longo. Espero poder ajudar com os questionamentos que você mesmo faz.

    http://castillodiparole.blogspot.com/2011/04/alo-alo-realengo-pra-voce-que-ja-me.html

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  5. Liberdade de pensar e de agir X determinismo. Tem situações que por mais que a atmosfera universal conspire contra irá acontecer. Se não fosse Judas seria outro. Jesus relata que sabia de tudo, e nem por isso fugiu, fez sua parte. Judas “infeliz”, não usou seu livre-arbítrio para o bem, escolheu a pior parte. "Depende" de cada ser fazer suas escolhas, e construir o que espera de sua existência. A lei da causa e efeito poderá ser a resposta para cada tijolo que utilizarmos para construir o nosso “eu”. Traições, massacres, covardias... Bom será quando o homem conseguir extinguir instintos selvagens.

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