sábado, 12 de maio de 2012

Diálogos

Orhan Pamuk (Istambul, p. 16), Prêmio Nobel de 2006, parecendo em diálogo (na minha cabeça, pelo menos) com nosso Guimarães Rosas, em Grande Sertão Veredas, e " a astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares." O pensamento como uma aldeia... Que belezura os dois trechos.

"Em turco, temos um tempo verbal específico que nos permite distinguir o que ouvimos dizer daquilo que vimos com os próprios olhos; quando relatamos sonhos, contos de fada ou fatos do passado que podemos ter testemunhado, é esse o tempo que usamos. É uma distinção muito útil quando “rememoramos” as nossas primeiras experiências de vida, o berço em que dormíamos, o carrinho de bebê em que éramos empurrados, nossos primeiros passos, tudo da maneira como nos foi contado pelos pais, histórias que ouvimos com a mesma atenção arrebatada que poderíamos dar a um relato brilhante de outra pessoa. Depois que se gravam em nossos espíritos, os relatos alheios sobre o que fizemos passam a contar mais do que as coisas de que nós mesmos nos lembramos. E da mesma forma que ficamos sabendo das nossas vidas por intermédio de outros, também deixamos que os outros acabem dando forma à nossa compreensão da cidade em que vivemos."
 “Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam (…) Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie de velhice. Talvez, então, a melhor coisa seria contar a infância não como um filme em que a vida acontece no tempo, uma coisa depois da outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, meio e fim, mas como um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um contendo o sentido inteiro. Talvez esse seja o jeito de escrever sobre a alma em cuja memória se encontram as coisas eternas, que permanecem…”

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