segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Desabafo de Lúcifer


             Estou cansado destas maledicências que andam esculhambando há séculos sem fim a minha imagem. Desde que decidiram inventar essa batalha cósmica entre o Bem (Ele) e o Mal (Eu), sobrou pra mim... Afinal, não ficaria bem para Ele, O Todo Poderoso, assumir esse outro lado de Sua personalidade. A maldade personificada pelos textos apócrifos, criados pela equipe Cristã-Grega com esmero, tinhas apenas a função de me sacanear. Graças a Platão, que inventou que o mundo das ideias tinha que ser bom e perfeitinho (como poderiam querer que isso funcionasse no mundo real!?), fiquei com a alcunha de estraga prazeres da humanidade (logo eu, que ofereço tantos prazeres aos homens e atiço suas vaidades como ninguém). E olha que não comecei assim. Eu era um anjo dos mais queridos nas alturas celestiais (desconfio até que o preferido Dele...), até a criação de Adão. O que Ele esperava? Resolve criar um ser visivelmente inferior ante os olhos de seus anjos magníficos e espera que todos baixem a cabeça? Comigo, não! Logo eu, Lúcifer, portador da Luz e gerado do fogo (material nobilíssimo, como sei que sabem), achei humilhante inclinar-me a um ser feito de barro, essa substância das mais reles... A minha recusa foi considerada soberba. No fundo acho que foi uma desculpa, pois de fato Ele temia alguma rebelião liderada por mim para tomar-Lhe o trono (dificilmente conseguiria, Ele tinha maioria nas duas casas parlamentares e mais Ministérios a oferecer...).  Desça já do Céu, ordenou-me. Desde então tenho sido mais apedrejado que Judas (outro filho de barro Dele que nem querubim era!). Eu, que era conhecido como "estrela da manhã" ou “astro brilhante”, passei a representar a perversidade, tentação, luxúria, morte e destruição. As trevas, enfim. Os termos que me alcunharam, diga-se de passagem, são de um mau gosto infernal: Capeta, Coisa Ruim, Diabo, Demônio, Satã, Cão... Pronto, criou-se a guerra! Tenho meu orgulho de anjo (mesmo que caído), ora essa, e até hoje não baixo a cabeça para homem (ou Deus) nenhum. Levo para as profundezas qualquer um que caia nos meus encantos. E como é fácil seduzir essa turma... Um soprinho de maledicência no ouvido; a forma de uma bela mulher; infiltrar-me em Wall Street e em palácios, nas mentes mais simplórias e nas mais refinadas... Instigar a fraqueza da carne e do espírito dos homens é das tarefas mais simples. Mas, convenhamos, muitos de vocês nem sequem precisam ser persuadidos a cometer o pecado... A própria cobiça e vaidade fazem o serviço que a mim caberia, de modo que, definitivamente, não me sinto imputado de todos os males deste planeta.  Assumam sua parcela e parem de debitar tudo na minha conta! Por exemplo, não agi diretamente sobre a fome na África, o trânsito de São Paulo, o peido no elevador, o racismo, a segunda feira, o machismo, o feminismo, a Candelária, o Carandiru, a homofobia, Hitler, o calor de Teresina, o cabelo de Neymar, Antônio Carlos Magalhães, as fogueiras na Idade Média ou os estupros em massa na Bósnia (Embora confesse que fico admirado e orgulhoso com o potencial da humanidade...). Stálin, tudo bem, assumo como um dos meus mais belos trabalhos... Acho que o Século XX merecia uns 13 Oscars (incluindo o meu, de Melhor Direção, claro), mas muitos atores não estiveram sob a minha tutela... Mas, no final, que Obra Prima de Século, hein?! Obrigado a vocês, humanos, pela parceria bem sucedida nesse caso. Mandamos bem!! Mas as dez pragas do Egito foram enviados por Ele e nenhuma teve nem sequer um empurrãozinho meu. Por isso entendam de uma vez por todas que o vício e a virtude, a luz e a escuridão, Ele e Eu, o bem e o mal, são coexistentes, dependem um do outro para manter o equilíbrio universal para essas suas vidinhas de mortais. Como esperavam que todos coubessem no Paraíso, afinal? Iria virar uma zona pior que o inferno, que já tem mais gente que a China, a Índia e Taperoá juntas! Como poderiam homens e mulheres viver sem o medo da culpa, do pecado, da liberdade?? Todos levando a vida sem lembrar o pecado original (sim, aquela maçã também foi obra minha...) e fazendo apenas o que suas consciências determinassem?  Acham que o mundo não viraria um completo desgoverno? Algo difícil de controlar? Meu trabalho é muito pouco reconhecido, de fato...  Esse é o ponto! É isso que me faz ficar indignado com a injustiça de xingamentos, maldições e apedrejamentos que vocês, sem se aperceberem bem da história toda (e de sua parte na pendenga), vem descarregando nas minhas costas. Ficar calado milênios enquanto vocês querem me tomar de bode expiatório não é fácil... Vejam se pelo menos respeitam a beleza e majestade da minha figura (dá uma sacada aí em cima...). Parem com essa merda de me pintarem de vermelho ostentando um par de chifres e um rabo ridículo! Eu não sou Pã, ora bolas! Aproveitando um desses ditados bobos de vocês, o diabo não é tão feio como parece... Isso lhes asseguro. Outra garantia é que, fiquem espertos, espero vocês no Dia do Juízo Final. Aí, quem sabe, consigo derrubar dos Céus também muitos de vocês por suas próprias merdas... Vamos ver, vamos ver...

7 comentários:

  1. Imagine o desabafo de Deus, ao ver suas criaturas se destruindo todos os dias...

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  2. Sim!!!! Sempre achei o Demo mais legal, mais inteligente, mais divertido!

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  3. Sim, Naymme... E todo estiloso, né? Anjo caído que nada...! Bjo!

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  4. Se a gente desse chance Lucifer ia ter uns trabalhos extra. Abraço.

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  5. E então, Regina... Se bem que a parceria tem sido "um sucesso"... Abraço!

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  6. Esse Lúcifer tem fortes indícios de sentimentos nobres, como o discernimento. Jesus, ser dotado de sabedoria e piedade, lhe diria: Todo aquele, pois, que se fizer pequenino, esse será maior no Reino dos Céus. Serena-te, pois não cai uma folha no chão, sem a permissão da inteligência suprema, Deus. Eu, na minha rude e barata filosofia acrescentaria: Não adianta procurar de quem foi à culpa, cada ser responderá por seus atos. Os olhos podem estar fechados, mas a consciência lhe sussurrar aos ouvidos. Tudo ocorre para um aprendizado maior, não há equívocos. Tudo é permitido semear, mas a colheita será indispensável, mesmo que seja laboriosa demais. Laboriosa colheita... Lembrei-me de uma mulher, que residia em local distante, fazendo-se necessário guardar em um cofre os frutos de seu suor. Foi assaltada a mão armada por uma quadrilha que assustava aquela região fazia algum tempo. Neste dia, (in)felizmente a polícia conseguiu detê-los, como na caça, perseguiram e feriram sem piedade. Para desconsolo dela, uma das criaturas baleadas fatalmente foi seu único filho, o qual ela deu, e teria dado a vida. Será que faltou algo nesse plantio? Hoje, dia que todas as homenagens são para elas, que a dádiva da maternidade, traga a sua lembrança bons momentos, como o olhar carinhoso e ingênuo, de quando ele era apenas seu pequenino.

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